terça-feira, 25 de novembro de 2008

O "efeito paralaxe" e o mercado financeiro (Parte I)

Minha ausência nestes últimos dias deveu-se a um merecido período de férias em Muro Alto-PE. Se você ainda não visitou essa praia próxima de minha cidade natal, Recife, não sabe o que o Brasil tem de melhor. Mas como dizem por aí, há males que vêm para o bem...

Procuro sempre ter um livro à mão quando viajo, ou para as incansáveis horas de espera em aeroportos quando viajo a negócios ou para justificar uma longa pausa para degustar um charuto após o jantar, especialmente se o local for de generosa beleza e de clima agradável. Foi o caso do destino escolhido. Levei entre outras literaturas o sensacional Guia Ilustrado Zahar "Astronomia" que comprei acidentalmente um tempo atrás enquanto esperava um amigo no shopping. Ele se parece com aqueles também ótimos guias de turismo, plenamente ilustrados, editados pela DK e que provavelmente você tem ao menos um exemplar em casa. Se ainda não tem, o de turismo, o terá um dia.

O de Astronomia foi a melhor compra dos últimos anos,vale cada centavo de seu preço, pois contempla em um único volume, a medida exata do que um leigo como eu precisa saber sobre o universo, as teorias sobre sua origem, os fenômenos conhecidos, o sistema solar, e uma extensa parte sobre o céu noturno que podemos observar (sim, sei que aqui na cidade não se vê quase nada, mas você entendeu o sentido da frase). Talvez até te estimule a fazer uma viagem à Monte Verde ou outro lugar agradável de céu noturno escuro e estrelado.

O livro começa narrando uma breve história da astronomia, que com razão foi chamada da mais antiga das ciências. Desde a aurora da civilização o homem se esforça para compreender os complexos movimentos dos corpos celestes e suas relações com a nossa Terra, o que imagino ser sinal inequívoco da onipresente sensação de que precisamos entender qual é o nosso lugar no universo, na Criação, de que precisamos responder o porquê de nossa existência e acima de tudo, a busca pela marca divina de nossa existência humana. (Nesse momento eu fiz uma pausa longa e reli essas linhas acima algumas vezes, sugiro que faça o mesmo antes de continuar). Tenho a sensação que poderíamos parar por aqui e teria valido muito fazer essas reflexões e pensar um pouco sobre esses temas, afinal, se não formos pegos de surpresa assim os assuntos do dia-a-dia não permitem tais sensações, certo? Mas vamos voltar de nossa viagem e seguir o assunto enunciado.

Entre outras tantas revelações que me deixaram de boca aberta frente ao colosso que é nosso universo, me deparei com conceitos muito interessantes, primordialmente aplicados na astronomia e astro-física mas que podem ser usados analogicamente para outros assuntos, que pela razão deste Blog, usarei um deles para algumas reflexões sobre o mercado financeiro e sua atual crise. Apresento-lhe o "efeito paralaxe".

A medição direta da distância que nos separa de uma estrela baseia-se na paralaxe, ou seja, o movimento de objetos próximos contra um pano de fundo mais distante à medida que o ponto de vista do observador muda. Quanto mais longe estiver o objetivo ou estrela observado, menos parecerá se mover contra o "pano de fundo" de nosso céu cheio de estrelas.

Antes que você tenha a sensação de ter lido grego, olhe pela janela e observe um carro que passa na rua mais próxima e depois olhe bem para longe e observe algum carro em uma via distante. Será fácil observar como o carro mais próximo parece mover-se muito mais contra o pano de fundo de sua vista, o que está longe, parece mover-se menos, não é isso?

Se meu exemplo automobilístico atrapalhou mais do que ajudou, aqui está o conceito aplicado como em sua descrição no livro: note que o observador precisa mudar de posição em relação ao objeto observado e o "pano de fundo", o que no caso é feito utilizando-se as posições opostas que a Terra experimenta em seu movimento ao redor do Sol, gerando assim as duas semi-retas que mostram a paralaxe de cada estrela, consequentemente, a sua distância relativa à Terra.



No que essa imagem se assemelha à precificação de ativos em bolsa de valores? Ou ainda, em que medida esse conceito pode ser uma ferramenta útil na avaliação dos riscos e decisões de investimentos de uma carteira de ações?


Você já estava imaginando onde eu iria parar antes de passar para a (parte II) deste assunto, então o deixo por enquanto com essa imagem, os conceitos apresentados até aqui neste e nas outras postagens do Blog e espero que sua mente encontre-se com a (parte II) com muitas reflexões feitas e comentários para o desfrute de todos, afinal estamos aqui para isso, não?

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A muralha da China e a jaguatirica

Poucas obras do homem podem ser vistas do espaço. Sabemos que os chineses não pensaram nisso quando decidiram estabelecer aquela que seria uma magnífica rede interligada de defesa que teve a propriedade de manter as invasões mongóis sob controle durante um bom tempo. Obviamente que chegaria o dia em que essa obra de engenharia não mais seria eficiente em cumprir seu objetivo, mas para a época em que começou a ser erguida, ela foi o pilar no qual o império chinês pode consolidar sua integridade física e surgir como potência desde então.

Não, não vou falar de outras coisas que podem ser avistadas do espaço, tipo as queimadas, o canal do Panamá, etc. Também não vou ceder à tentação de recordar outra linha construída para a defesa de um país na época da 2ª Guerra Mundial porque não quero fazer os franceses se envergonharem com tal recordação.

Os chineses têm essa sabedoria que os tem lançado, de tanto em tanto, na vanguarda da sociedade humana, seja pelas vias do conhecimento científico ou novamente depois de muitos séculos, pelas vias do poder econômico que eles voltam a empunhar.

Pensem no que significa um pacote de estímulos à economia da ordem de 580 bilhões de dólares americanos, especialmente voltado como é, para obras de infra-estrutura no país que tem uma clara visão do que é necessário prover para que a economia doméstica seja suficientemente forte para sustentar o crescimento que todos nós invejamos. Eu sei que é mais fácil implementar políticas eficazes de desenvolvimento quando se governa com mão-de-ferro, mas isso não tira o mérito da visão levada à realidade.

Mais impressionante do que um pacote como esse, que em época de vacas magérrimas se transforma em uma farta churrascada mundial, é o que tem acontecido internamente na China ao longo desses últimos dez anos.

Algumas mil cidades foram criadas nesse tempo, trazendo do campo para a zona urbana mais de 200 milhões de chineses; um zilhão (sim, com Z) de quilômetros de estradas foram criadas ou ampliadas para prover os canais de escoamento e de acesso aos novos centros produtores e consumidores; linhas de metrô transformando o cenário urbano de todas as grandes cidades; portos e aeroportos surgiram em número e velocidade que parecem piada; enfim, criaram ao longo desses anos um mercado consumidor interno que é um gigante, ou melhor, uma gigante rede de consumidores que agora, quando as economias que dependem intensamente das exportações sentem-se refém da crise global, essa rede protege a taxa de crescimento chinês para que ela não entre na zona de perigo. E o melhor? A China tem exportado esse modelo para os demais países de sua zona de influência, transformando toda a região.

O que isso tem a ver conosco? A demanda por nossos produtos básicos, alimentos, agricultura, energia e minério, não vão deixar de encontrar compradores ávidos e preocupados com suprimentos suficientes no médio e longo prazo. Esqueça os cavaleiros do apocalipse, esqueça a guerra psicológica que travam os compradores com os vendedores, esqueça os jornais e os incontáveis relatórios econômicos explicando o que vai acontecer daqui pra frente, pois quem lê muito disso tudo fica invariavelmente confuso frente às divergentes opiniões que vão do A até o Z, geralmente inventando novas letras no meio do caminho.

O Brasil caminha melhor do que sempre caminhou, não por conta de algum presidente em si, mas porque a economia real é muito maior e mais forte do que a caneta de nossos governantes. A fartura que o mundo viveu em termos de liquidez aliada à determinação de nossos empresários fez nascer a condição de lançar a massa no mercado consumidor, e quando o mundo absorver essa crise e iniciar a recuperação econômica, nós já estaremos nos beneficiando da muralha que se constrói aqui, que se não é extensa como a chinesa, é um considerável divisor de águas que tem lançado o país na velocidade que só os chamados “tigres asiáticos” sabiam imprimir.

Quem sabe um dia o mundo reconheça que na corrida dos felinos, a jaguatirica tupiniquim (nome cietífico: leopardus pardalis) está e estará, a cada corrida, disputando um lugar no pódium.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Conduzindo Miss Daisy

Estávamos no carro voltando para meu escritório. Eu sentado no banco do passageiro pensava sobre o ocorrido durante a última uma hora. Miss Daisy na verdade estava me conduzindo, pelo menos assim parecia. Na verdade...


A apresentação que fomos assistir foi muito interessante para mim, pois fui ouvir os administradores de uma grande e muito boa empresa, que admiro e sou acionista, sobre os resultados do 3o trimestre de 2008 e especialmente sentir como está o "mood" da turma sobre o cenário futuro e o que eles ouvem dos clientes. Como trunfo levei a apresentação de dois meses atrás para comparar e checar alguns pontos específicos.


Miss Daisy, senhora educada e nobre como é (você não se lembra do filme?) certamente não foi comigo apenas por conta do café-da-manhã que seria servido durante o evento. Foi para assistir, como acionista, sua primeira apresentação de uma empresa para seus investidores, atividade essa que é comum para todas as companhias que tem o capital aberto em Bolsa de Valores. Não se engane, Miss Daisy é empresária, sabe muito bem das coisas, só não conhece tão bem as entranhas do mercado de capitais, mas isso é questão de tempo.


Estrategicamente escolhi para sentarmos, duas cadeiras lá na frente, o que nos brindou com a presença dos palestrantes em nossa mesa enquanto todos desfrutavam do desjejum prévio ao inicio da apresentação. Obviamente comecei a encher o Gerente de R.I. (relação com investidores) de perguntas, o que o deixou sem muita chance de comer (não atrapalhou em nada o meu ritmo com o sanduíche de presunto no pão francês), mas ele foi gentilmente respondendo o que podia até que o Diretor Executivo da empresa também se sentou conosco, fazendo-me desviar a artilharia para o novo e atraente alvo. Recordei-o que estive na apresentação anterior e dos pontos que gostaria de comparar, pois a crise havia criado um abismo entre as duas datas. Cumprindo seu papel de gentil executivo de empresa listada em Bolsa, me respondeu algumas coisas que eu queria ouvir e não respondeu outras que eu não contava mesmo com respostas.


A apresentação fluiu muito bem e em 25 minutos ele abriu a sessão de perguntas e respostas para a qual eu só tinha uma. Ele gostou de ser recordado do assunto e discursou sobre um dos business que havia "esquecido" de comentar na apresentação e que trouxe notícias boas.

Foi interessante chamar a atenção de Miss Daisy para alguns pontos durante a apresentação, e ela mesma ia abrindo um olhão atento para os números astronômicos da empresa que até outro dia ela não conhecia. Todas as linhas do balanço trimestral pareciam douradas de tão bons que eram os números, até eu me impressionei com alguns, de novo. Fomos embora felizes.

Enquanto esperávamos o carro dela (sim, ela dirige, e bem) eu ia acompanhando as reflexões que faziam sua mente se surpreender, mesmo com toda a experiência de vida que ela tem, com essa face do mercado de capitais, a face que podemos chamar de "causal", onde ocorrem todas as transações comerciais, onde se evidenciam as mútuas dependências entre empresas, setores, países e no final, entre as empresas e o mercado financeiro.

Era como se ela estivesse se rendendo à realidade que eu vinha lhe instruindo há muito tempo, mas que como ela mesma diz "demora pra gente entender, é outro mundo". E essa é a impressão que ela teve quando recordou um dos slides da apresentação que mostrava a enormidade que o preço da ação da empresa havia caído este ano, para o qual exclamou: "Como é possível que essa empresa tenha suas ações negociadas com essa queda toda?"

O que exigiu mais uma vez a resposta que ela não aguenta mais ouvir de mim:
"O preço de uma ação em Bolsa representa apenas o preço para a liquidez daquele ativo com liquidação financeira em três dias, muitas vezes não estando ligado ao valor proporcional que cabe àquela fatia sobre o valor real da empresa, seja pelo seu fluxo de caixa futuro ou até mesmo pelo valor patrimonial vigente."

Quem entende isso, e ela entendeu faz tempo, compreende porque uma ação negociada em Bolsa pode ter seu preço variando 10% para cada lado em dois dias de pregão. Nunca viu ninguém desesperado, precisando de dinheiro vendendo algo?

Hummmm, você acha que essa explicação não justifica a volatilidade? Então encontra um comprador para sua casa que aceite fechar negócio nos próximos vinte segundos com garantia de lhe entregar o dinheiro daqui a três dias. Se encontrar nessas condições, e imagine o preço que seria a oferta, não vende pra ele não, eu pago um mil reais a mais, vende pra mim!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Einstein, a Bolsa e Dona Maricota

Sempre admirei o enunciado da teoria da relatividade. Tenho muito respeito ao Einstein e a outros seres que puseram suas mentes a serviço da humanidade, mas como nunca gostei de física e não pretendo mudar de opinião agora, vou me deter apenas na palavra que deu nome à teoria, pois sobre a mesma tenho comprovado muitas coisas, nesse nada relativo mercado financeiro.

Fatos são aquilo que a história registra como um acontecimento inquestionável, um número ou uma imagem que por si mesmos falam por milhares de palavras. Diferente é nossa interpretação dos fatos, como se pode comprovar pelo número enorme de obras literárias que se antagonizam nesse labor interpretativo, e felizmente é assim, senão não haveria graça ler o blog de alguém.

Nas semanas anteriores à chamada telefônica que recebi da Dona Maricota (se você não tem idéia de quem seja essa distinta dama, favor ler a postagem anterior a esta), o crédito financeiro em seus amplos alcances deixava de fluir como sempre o fez, não havia doador pelo medo de dar e não havia tomador pelas altas taxas e curto prazos oferecidos, tudo isso dada a incerteza que pairava naqueles dias sobre o impacto que a crise teria na economia real. Isso foi um fato.

Minha rotina diária não havia mudado muito, tirando uma máquina de ar-condicionado velha que fatalmente iria me ensinar uma lição durante aquelas semanas. O trânsito continuava igual, se não pior; a fila no cafezinho que costumo tomar meu Cappuccino me deu a impressão que estavam dando café de graça em um dos dias citados; o atendimento na loja da operadora de celular, para a qual eu tinha um atendimento agendado, parecia ser feito por feirantes que brigavam com seus clientes, e eu ali feliz em ter uma senha programada 20 dias antes; as filas na agência do banco no qual sou correntista, e que precisei pagar alguns DARFs que não consegui pela internet, me fez pensar em aumentar o salário do office-boy que ainda não tenho; enfim, nada me fazia acreditar que o mundo havia mudado tão abruptamente como o mercado dizia através dos preços nas telinhas. Isso era uma interpretação de alguns fatos.

Por via das dúvidas liguei pro Zé. Um bom termômetro sobre a economia real é ligar pra ele, porque se tem uma coisa que ele não faz é ficar de firula sobre o movimento do comércio que ele toca, não tem aspas nem parêntesis, é “ipsis literis” mesmo, sem dó nem choro. O Zé disse que tava tudo bem afora um funcionário que havia mexido com a mulher do supervisor, este que também já estava pra ser mandado embora por vadiagem. Dei como concluída minha consulta ao mundo do varejo e voltei pro meu mundinho de acompanhar o mercado.

Algumas empresas de capital aberto (daí a possibilidade de se tornar sócio delas pela compra de ações em Bolsa de Valores) estavam cotadas a 50, 40, 30 e até 20% dos preços que haviam sido negociadas meses antes. Óbvio que precisamos precificar a queda nas rentabilidades que as empresas terão por conta da crise mundial, mas por favor, sem exageros.

A empresa da qual Dona Maricota já era sócia, um banco de primeira categoria, ótima rentabilidade, solidez de uma pedra preta e excelente gestão, não somente estava longe de fechar as portas e desaparecer como ela chegou a temer, mas estava finalizando um processo, um golpe de mestre que durante 15 meses ficou sob sigilo absoluto e que veio a desabar na cabeça do Bradesco nesta 2ª feira pela manhã. Eu imagino o susto dos diretores daquele e dos demais bancos ao anúncio inovador de que não era mais uma das compras de um banco por outro, era a fusão do Itaú com o Unibanco, teoricamente quando bem feita entre partes saudáveis, a solução mais barata para ambos. Não preciso falar que tudo nesse parágrafo foram fatos que ainda sendo suficientemente claros e simples de entender, permitem interpretações antagônicas.

Prova dessa visão relativista, ou seja, de que a interpretação de um fato é relativa à mente daquele que o faz, era que ainda nesses últimos dias, mesmo com os sinais claros de que o crédito começava a circular novamente no sistema financeiro mundial, mesmo com os múltiplos das empresas que citei e das que não citei mostrando que estavam a preços de barganha, e ainda que todos saibam que a melhor hora de comprar é na baixa, existia duas metades antagônicas, os que vendiam e os que compravam ações a cada instante e que continuam a fazer isso todo dia.

Prova de que pra fazer teoria da relatividade não precisa ser nenhum cientista. Dona Maricota que o diga.

domingo, 2 de novembro de 2008

E se os Gauleses estiverem certos?

Uma cliente ligou um dia dessa semana, era Dona Maricota.


Dona Maricota é muito equilibrada em seu juízo, ouviu durante anos minhas explicações sobre o mercado, sobre as variáveis que esse mercado tinha, mas principalmente, gostou muito da visão que eu mantenho como Norte na minha navegação, a de que nós usamos a Bolsa de Valores apenas como um portal para nos tornar sócios de empresas que de um modo ou de outro, gostaríamos de ser donos.


Depois desses anos todos, ela entendeu que faz sentido pensar assim, especialmente porque aplicando para um prazo longo, mais de 5 anos, podemos evitar os prejuízos que um mercado em pânico como o que estamos vendo ultimamente pode causar nos incautos que ainda pensam que é possível enriquecer facilmente na Bolsa. Talvez seja mesmo, assim como é possível enriquecer em um cassino, embora sejam poucos os que a matemática permita tal façanha, e ainda quando o fazem, são mera estatística.


Enviou os recursos nos meses anteriores ao caos nos mercados, e embora eu tenha utilizado os recursos em parcimoniosas compras ao longo das semanas seguintes, era inevitável que a carteira dela sofresse junto com o mundo todo (Dona Maricota, a Sra. deveria se sentir feliz por ser solidária à humanidade!!).


Não adiantou todos os anos de boas conversas e explicações pois quando o céu fecha com aquelas nuvens negras e as ondas começam a levantar, a convicção que eu tenho e que ela achou que ela também havia adquirido é colocada à prova. Normalmente descobre-se que a convicção era só minha. Me mandou um email primeiro, assustada, sem saber bem como dizer que estava apavorada e finalmente indagando se não era melhor vender agora com prejuízo de 40% do que esperar e perder TUDO.


Pois é, eu tive a mesma reação que você ao ler as palavras dela - Como assim perder tudo? - Era como se esse pânico no mundo mental a tivesse transformado em um daqueles gauleses da turma do Asterix e Obelix, que embora cercados por 4 fortificações romanas, só temiam uma coisa na vida: que o céu caísse sobre suas cabeças. Ainda que esse medo gaulês pareça uma crendice tola, sabemos que nossos medos são geralmente frutos da falta do conhecimento, este, o que ilumina as mentes e impede-as de sucumbir perante os pensamentos que procuram a quem aterrorizar. Digo por mim, que morria de medo do escuro quando criança, e quando alguém acendia a luz eu via como não existia nada ali, e o medo desaparecia. Mas voltemos ao tópico.


Pedi que ela me ligasse assim que possível, pois o caso era sério o suficiente para não tratar por email. Me ligou no mesmo dia, com aquele ar gaulês que eu já esperava. Entretanto, a conversa foi muito feliz.


Fiz algumas perguntas para ajudar sua própria mente a refletir sobre os pensamentos que estavam se manifestando ali. Perguntei-lhe se sendo sócia como era de algumas empresas enormes e sólidas o suficiente para serem as últimas a cair caso o mundo despencasse por um abismo, se fazia sentido pensar que ela corria o risco de amanhã ver todas as suas ações em carteira cotadas a Zero reais! Perguntei-lhe o que iríamos fazer no dia seguinte em que o Itaú e Bradesco quebrassem, no dia que a Petrobrás deixasse de extrair e vender petróleo, ou ainda no dia em que o mundo parasse de produzir aço, o mesmo aço que vai em qualquer geladeira, carro, trem, prédio, navio, fábrica, loja, etc, etc, etc...


Ainda ponderei por último, que se caso fosse de ocorrer o acima descrito, se em algum banco o dinheiro dela estaria mais protegido? Obviamente que não valeria nada também, fosse em títulos privados ou públicos.


Ao final da ligação, pareceu-me que o que ela precisava mesmo era saber que eu não havia esquecido dela nem da parte de suas poupanças que a mim foram confiadas. Despediu-se aliviada, alívio apoiado uma vez mais nas minhas convicções, não nas dela, é claro.


Me senti realmente feliz por ter ajudado um ser humano, não porque fosse em relação ao mercado financeiro, mas porque era uma mente subjugada por pensamentos tiranos que parecem nutrir-se das fragilidades específicas das mentes que encontram pela frente. Senti que vale a pena pensar, e pensar cada vez mais.


Dona Maricota deve estar dormindo mais feliz agora que os mercados se acalmaram um pouco.


P.S.: Sem olhar nas revistas que você tem em casa e sem pesquisar na Internet, responda: Quais eram os nomes dos 4 campos romanos que cercavam aquela simpática aldeia gaulesa? Pode responder ai em baixo, tem um lugar escrito "comentário", não tem? Então, tá esperando o quê? Clica ai.