terça-feira, 11 de novembro de 2008

A muralha da China e a jaguatirica

Poucas obras do homem podem ser vistas do espaço. Sabemos que os chineses não pensaram nisso quando decidiram estabelecer aquela que seria uma magnífica rede interligada de defesa que teve a propriedade de manter as invasões mongóis sob controle durante um bom tempo. Obviamente que chegaria o dia em que essa obra de engenharia não mais seria eficiente em cumprir seu objetivo, mas para a época em que começou a ser erguida, ela foi o pilar no qual o império chinês pode consolidar sua integridade física e surgir como potência desde então.

Não, não vou falar de outras coisas que podem ser avistadas do espaço, tipo as queimadas, o canal do Panamá, etc. Também não vou ceder à tentação de recordar outra linha construída para a defesa de um país na época da 2ª Guerra Mundial porque não quero fazer os franceses se envergonharem com tal recordação.

Os chineses têm essa sabedoria que os tem lançado, de tanto em tanto, na vanguarda da sociedade humana, seja pelas vias do conhecimento científico ou novamente depois de muitos séculos, pelas vias do poder econômico que eles voltam a empunhar.

Pensem no que significa um pacote de estímulos à economia da ordem de 580 bilhões de dólares americanos, especialmente voltado como é, para obras de infra-estrutura no país que tem uma clara visão do que é necessário prover para que a economia doméstica seja suficientemente forte para sustentar o crescimento que todos nós invejamos. Eu sei que é mais fácil implementar políticas eficazes de desenvolvimento quando se governa com mão-de-ferro, mas isso não tira o mérito da visão levada à realidade.

Mais impressionante do que um pacote como esse, que em época de vacas magérrimas se transforma em uma farta churrascada mundial, é o que tem acontecido internamente na China ao longo desses últimos dez anos.

Algumas mil cidades foram criadas nesse tempo, trazendo do campo para a zona urbana mais de 200 milhões de chineses; um zilhão (sim, com Z) de quilômetros de estradas foram criadas ou ampliadas para prover os canais de escoamento e de acesso aos novos centros produtores e consumidores; linhas de metrô transformando o cenário urbano de todas as grandes cidades; portos e aeroportos surgiram em número e velocidade que parecem piada; enfim, criaram ao longo desses anos um mercado consumidor interno que é um gigante, ou melhor, uma gigante rede de consumidores que agora, quando as economias que dependem intensamente das exportações sentem-se refém da crise global, essa rede protege a taxa de crescimento chinês para que ela não entre na zona de perigo. E o melhor? A China tem exportado esse modelo para os demais países de sua zona de influência, transformando toda a região.

O que isso tem a ver conosco? A demanda por nossos produtos básicos, alimentos, agricultura, energia e minério, não vão deixar de encontrar compradores ávidos e preocupados com suprimentos suficientes no médio e longo prazo. Esqueça os cavaleiros do apocalipse, esqueça a guerra psicológica que travam os compradores com os vendedores, esqueça os jornais e os incontáveis relatórios econômicos explicando o que vai acontecer daqui pra frente, pois quem lê muito disso tudo fica invariavelmente confuso frente às divergentes opiniões que vão do A até o Z, geralmente inventando novas letras no meio do caminho.

O Brasil caminha melhor do que sempre caminhou, não por conta de algum presidente em si, mas porque a economia real é muito maior e mais forte do que a caneta de nossos governantes. A fartura que o mundo viveu em termos de liquidez aliada à determinação de nossos empresários fez nascer a condição de lançar a massa no mercado consumidor, e quando o mundo absorver essa crise e iniciar a recuperação econômica, nós já estaremos nos beneficiando da muralha que se constrói aqui, que se não é extensa como a chinesa, é um considerável divisor de águas que tem lançado o país na velocidade que só os chamados “tigres asiáticos” sabiam imprimir.

Quem sabe um dia o mundo reconheça que na corrida dos felinos, a jaguatirica tupiniquim (nome cietífico: leopardus pardalis) está e estará, a cada corrida, disputando um lugar no pódium.

Um comentário:

Alexandre disse...

Caro amigo,
Leio diariamente um jornal especializado em economia/finanças, e é mesmo algo interessante de se observar: ao mesmo tempo em que artigos de alguns colunistas pintam um quadro sombrio e negro para o futuro, notícias publicadas ao lado desse mesmo artigo, ostentando manchetes do tipo "Cias brasileiras mantêm planos de investimentos para 2009", querem mostrar que talvez a realidade seja um pouco diferente. No nosso caso específico, o empresário brasileiro já mostrou que tem competência e uma enorme capacidade de superar desafios. Dessa vez não será diferente.
Abraço