sábado, 13 de dezembro de 2008

O bobo e a corte do rei

Como sempre fazemos, é costume observar os demais com o objetivo de aprender algo que nos permita melhorar ou como acontece também, apenas ter um pouco da diversão oferecida pelos demais.

Na última vez que fui esquiar, enquanto descia a montanha observei alguns esquiadores com um gorro ao estilo "bobo da corte", você sabe aquele chapéu colorido, com várias pontas, eventualmente com guizos ou outros ornamentos em cada uma delas. Imagino que fosse para divertir o resto dos esquiadores, pois não pensei em nenhuma outra explicação. Divertia-me ver aquelas figuras passarem com aquilo na cabeça.

Recordei dos tantos filmes e peças que representaram essa figura do “bufão”, misto de um alegre e cômico poeta com um debochado observador das peculiaridades das cortes e dos reis, figura até musical, que divertia a casta nobre e a própria alteza, falando verdades e bobagens que ninguém tinha coragem de dizer àqueles que teoricamente eram os mais inteligentes e capazes da região.

Resumindo, temos de um lado, o bobo, que era aquele que seduzia os que do outro lado, sendo supostamente mais capazes, eram mantidos em um estado de contínua embriaguez psicológica enquanto por muitas vezes o tal do bobo se aproveitava da proximidade com a família real para seu próprio benefício.

Apresento-lhes Bernard Madoff, se é que vocês todos já não leram sobre a recém-descoberta fraude por trás de uma grande firma de gestão de fundos de investimento de Nova Iorque da qual ele era o dono. Não vou descrever o que todos já sabem, apenas recordar que era uma firma que estava no mercado desde a década de sessenta, com quase cinqüenta bilhões de dólares sob suas asas, com um gama enorme de clientes, desde pessoas físicas de muita riqueza a outros fundos e instituições financeiras do mundo todo.

Talvez o mais interessante dessa triste epopéia seja o fato de sua fraude ser a imagem perfeita daqueles golpes estilo “pirâmide”, ou seja, quando os que vêm em maior número vão sustentando os de cima, em um ciclo que pode ser ampliado indefinidamente até que não haja mais quem colocar embaixo, deixando à mostra o enorme buraco do esquema. Tinha uma empresa americana usando um modelo desses, vendendo produtos para o lar que chegou a ser uma febre aqui no Brasil uns dez ou mais anos atrás. Pois é, ele rentabilizava os de cima com o dinheiro dos de baixo, ou algo bem parecido com isso.

Incrível pensar como uma empresa desse tamanho pode manter tanta gente séria sendo enganada por tanto tempo. Mas tem explicação. Os rendimentos altos para o padrão da indústria americana de fundos, repetidos ano após ano sem que o gestor desse nenhuma explicação real de como obtinha tais ganhos nem divulgasse a composição das carteiras dos fundos eram condições que embora esquisitas como fossem não conseguiam diminuir a embriaguez causada pelos bons ganhos financeiros. Justifica-se o não justificável com um retorno do tipo “cala a boca”.

Tem gosto pra tudo, inclusive para o tipo de investidor que não se importa em conhecer como pensa o gestor de um fundo e conhecer como ele tem feito para entregar os resultados passados. Importam-se apenas em olhar a cota mensal e compará-la com os demais fundos, muitas vezes pulando de um fundo para outro, perseguindo a “cota perfeita”, mas sempre com atraso. É o mesmo pensamento daquele que fica mudando de fila no pedágio ou nos caixas do supermercado, sempre com a sensação de que tem que ser o primeiro, o melhor em qualquer ocasião, não admitindo que sua fila ande menos que a do outro. Você riu porque se lembrou de alguma ocasião que fez o mesmo? Tudo bem, nós ainda estamos lutando contra essa influência lamentável de nosso instinto.

Espero que o investidor que ainda esteja vivendo essa dificuldade, o faça apenas em supermercados ou nos pedágios, e que para seus investimentos conheça profundamente a visão que norteia o gestor, conheça bem seus pensamentos, seus objetivos e especialmente conheça-o pessoalmente, que possa estar com ele algumas vezes ao ano, olhando em seu olho para confirmar que ele cuida de seus recursos como cuida dos próprios. O tal do Madoff foi preso pelo FBI na 6ª feira passada. O triste não é os mais de 20 anos de cadeia que ele vai pegar mas sim o desespero de muitos que embriagados pelos vários anos de misteriosos bons resultados, haviam aplicado todos os recursos pessoais com ele.

Não existe ganho fácil, nem rápido e nem devagar, isso todos aprendem cedo ou tarde.

Fica para cada um a reflexão de quantas vezes somos tentados ao fácil. Se uma coisa eu aprendi nesses mais de quinze anos de mercado financeiro foi lutar continuamente contra esse pensamento que nos faz ver o bobo e achar graça, nos faz rir de suas perigosas melodias que enquanto seduzem, nos deixam embriagados. E se em algum momento nos descuidamos, pergunto:

- Quem é o bobo da corte?

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