domingo, 2 de novembro de 2008

E se os Gauleses estiverem certos?

Uma cliente ligou um dia dessa semana, era Dona Maricota.


Dona Maricota é muito equilibrada em seu juízo, ouviu durante anos minhas explicações sobre o mercado, sobre as variáveis que esse mercado tinha, mas principalmente, gostou muito da visão que eu mantenho como Norte na minha navegação, a de que nós usamos a Bolsa de Valores apenas como um portal para nos tornar sócios de empresas que de um modo ou de outro, gostaríamos de ser donos.


Depois desses anos todos, ela entendeu que faz sentido pensar assim, especialmente porque aplicando para um prazo longo, mais de 5 anos, podemos evitar os prejuízos que um mercado em pânico como o que estamos vendo ultimamente pode causar nos incautos que ainda pensam que é possível enriquecer facilmente na Bolsa. Talvez seja mesmo, assim como é possível enriquecer em um cassino, embora sejam poucos os que a matemática permita tal façanha, e ainda quando o fazem, são mera estatística.


Enviou os recursos nos meses anteriores ao caos nos mercados, e embora eu tenha utilizado os recursos em parcimoniosas compras ao longo das semanas seguintes, era inevitável que a carteira dela sofresse junto com o mundo todo (Dona Maricota, a Sra. deveria se sentir feliz por ser solidária à humanidade!!).


Não adiantou todos os anos de boas conversas e explicações pois quando o céu fecha com aquelas nuvens negras e as ondas começam a levantar, a convicção que eu tenho e que ela achou que ela também havia adquirido é colocada à prova. Normalmente descobre-se que a convicção era só minha. Me mandou um email primeiro, assustada, sem saber bem como dizer que estava apavorada e finalmente indagando se não era melhor vender agora com prejuízo de 40% do que esperar e perder TUDO.


Pois é, eu tive a mesma reação que você ao ler as palavras dela - Como assim perder tudo? - Era como se esse pânico no mundo mental a tivesse transformado em um daqueles gauleses da turma do Asterix e Obelix, que embora cercados por 4 fortificações romanas, só temiam uma coisa na vida: que o céu caísse sobre suas cabeças. Ainda que esse medo gaulês pareça uma crendice tola, sabemos que nossos medos são geralmente frutos da falta do conhecimento, este, o que ilumina as mentes e impede-as de sucumbir perante os pensamentos que procuram a quem aterrorizar. Digo por mim, que morria de medo do escuro quando criança, e quando alguém acendia a luz eu via como não existia nada ali, e o medo desaparecia. Mas voltemos ao tópico.


Pedi que ela me ligasse assim que possível, pois o caso era sério o suficiente para não tratar por email. Me ligou no mesmo dia, com aquele ar gaulês que eu já esperava. Entretanto, a conversa foi muito feliz.


Fiz algumas perguntas para ajudar sua própria mente a refletir sobre os pensamentos que estavam se manifestando ali. Perguntei-lhe se sendo sócia como era de algumas empresas enormes e sólidas o suficiente para serem as últimas a cair caso o mundo despencasse por um abismo, se fazia sentido pensar que ela corria o risco de amanhã ver todas as suas ações em carteira cotadas a Zero reais! Perguntei-lhe o que iríamos fazer no dia seguinte em que o Itaú e Bradesco quebrassem, no dia que a Petrobrás deixasse de extrair e vender petróleo, ou ainda no dia em que o mundo parasse de produzir aço, o mesmo aço que vai em qualquer geladeira, carro, trem, prédio, navio, fábrica, loja, etc, etc, etc...


Ainda ponderei por último, que se caso fosse de ocorrer o acima descrito, se em algum banco o dinheiro dela estaria mais protegido? Obviamente que não valeria nada também, fosse em títulos privados ou públicos.


Ao final da ligação, pareceu-me que o que ela precisava mesmo era saber que eu não havia esquecido dela nem da parte de suas poupanças que a mim foram confiadas. Despediu-se aliviada, alívio apoiado uma vez mais nas minhas convicções, não nas dela, é claro.


Me senti realmente feliz por ter ajudado um ser humano, não porque fosse em relação ao mercado financeiro, mas porque era uma mente subjugada por pensamentos tiranos que parecem nutrir-se das fragilidades específicas das mentes que encontram pela frente. Senti que vale a pena pensar, e pensar cada vez mais.


Dona Maricota deve estar dormindo mais feliz agora que os mercados se acalmaram um pouco.


P.S.: Sem olhar nas revistas que você tem em casa e sem pesquisar na Internet, responda: Quais eram os nomes dos 4 campos romanos que cercavam aquela simpática aldeia gaulesa? Pode responder ai em baixo, tem um lugar escrito "comentário", não tem? Então, tá esperando o quê? Clica ai.

4 comentários:

Alexandre disse...

Caro amigo,

Não faço a mais remota idéia dos nomes dos campos romanos :)

Não sou a Dona Maricota não, mas concordo que é muito difícil manter a vista fixa no horizonte quando estamos no meio da tempestade! No entanto, o horizonte continua lá.

Abração

Ronny Anthony Janovitz disse...

Obrigado Dárcio, eu nao conseguia me lembrar do "Laudanun" :). Abs

Claudio disse...

Amigão,

Dissemos a algumas D. Maricotas que nos ligavam esbaforidas que se ela perdesse tudo era porque sua empresa havia quebrado. E se, por exemplo, a Itaúsa quebrasse o menor de seus problemas seria o dinheiro na renda variável... Mas devemos entendê-as, é difícil deixar de ser Abracurcix nessa tempestade de volatilidade.

Anônimo disse...

Caro Ronny,

É muito bom quando podemos atuar diante de circunstâncias como essa salvando um pouco de ponderação sempre elogiável nas relações humanas. D. Maricota deve ser muita grata a tê-lo como seu grilo falante. Não estamos falando de economia, mas de humanidade.

Percebe-se como se desestabiliza o ser humano nesses momentos. Lembro de uma conversa sobre judô, que eu não pratico, mas que me deixou claro que para derrubar o oponente, independente de seu tamanho, deve-se visar seu desequilíbrio. Diante desse quadro que estamos vivendo, vemos muita gente no chão dando-se por vencida, com um simples passa-pé. Pode-se até perguntar: por Belenos, quem será nosso oponente?

E daí, nesse desespero, deixa-se o mal se infiltrar nas relações humanas, como o famoso cheiro da banca de peixes de Ordenalfabetix se infiltrava pelas narinas de nossos valorosos, mas incautos gauleses. Parece que se esquecem todos os cultivos de longa data de amizades e outros vínculos com a desculpa de se lutar pela sobrevivência. Isso eu vejo acontecer em muitas empresas.

Parabéns pelo Blog e seu excelente conteúdo.

Cláudio Puga