quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O nhoque, o brigadeiro e as ações

Impressionam-me as tantas dificuldades que nós temos em relação às coisas simples da vida, qualquer que seja o assunto. Parece que nós, seres humanos, ainda não aprendemos a lidar com os pensamentos que em vários campos da vida tentam nos levar para o desequilíbrio.

Por exemplo, eu gosto de nhoque de batatas. A cozinheira aqui em casa faz sempre misto, de batatas e de mandioquinha. Eu também gosto de mandioquinha, mas gosto mais ainda do nhoque de batatas, ainda que ela sempre faça o misto.

Cada vez que ela coloca a travessa cheia na mesa, eu começo a curtir o aroma e o visual daquela magnífica obra de arte (quando bem feita, é claro) e minha boca só não enche de saliva porque não dá tempo, eu logo mando a primeira garfada. O que ocorre depois é quase como um filme que se repete, vou comendo em ritmo acelerado porque a comida está muito gostosa, e meu organismo vai recebendo aquela quantidade em exagero que não dá nem a oportunidade para o cérebro notar os sinais químicos do sistema digestivo sobre a possível interrupção no ato de alimentar-me, dada a farta disponibilidade de energia ingerida nesse curto espaço de tempo.

Para piorar, soma-se à ansiedade (como se a comida fosse fugir do prato no instante seguinte), a gula, pensamento nefasto que se manifesta sempre que a minha mente não se antepõe ao mesmo, exibindo a notória marca de quem ainda não se livrou da forte influência do instinto na vida humana. O que isso tem de relação com nosso tema central? A clara distinção entre a necessidade real e a que nosso instinto quer impor, obviamente muito além do que seria a real. Podemos aplicar essa observação a qualquer aspecto de nossas vidas. Tomemos mais uma vez o mercado financeiro e nossa posição como investidor.

O que cada um de nós busca ao investir seus recursos financeiros? Já vi de tudo, desde o estressante comprar para vender no instante seguinte aos que ilusoriamente pensam que é só comprar qualquer coisa e esperar sentado. Vi também e aprendi a conhecer melhor as empresas, estar com as pessoas que administram a mesma e conhecer sua realidade, identificando as que merecem a nós como sócios. Penso que podemos resumir esse objetivo, o de como sócio, receber ao longo do tempo uma remuneração que além de proteger-nos da inflação possa também acrescentar um ganho real tal que resulte em um futuro financeiro no qual possamos colher os frutos do esforço de poupar que realizamos hoje. E qual seria esse rendimento ideal para alcançar tal objetivo? A princípio o de maior razão entre o retorno e o risco.

Não se pode pensar em aumentar os rendimentos sem participar da engrenagem que gera a riqueza em nosso país. Essa engrenagem é a economia real onde se agrega valor aos produtos básicos antes de oferecê-los à população, onde se transforma a capacidade intelectual em serviços prestados, onde os recursos naturais são explorados (quando feito adequadamente) e resultam em um país com muitas condições de seguir sua marcha de desenvolvimento e inclusão social. Ou depois dessa demonstração dos últimos anos alguém ainda acredita que inclusão social se faz com programas assistencialistas?

A ascensão de uma fatia enorme da população brasileira à categoria de consumidores se deve ao giro cada vez melhor dessa engrenagem mencionada, que ao mesmo tempo em que gera um grande número de empregos, lança os respectivos salários no mercado consumidor (e o ciclo se repete). Essa engrenagem se serve, dentre outras fontes, dos recursos de investidores que entendem ser um ótimo negócio ser sócio capitalista de uma boa empresa de capital aberto em Bolsa.

O conceito de ser sócio de uma boa e rentável empresa, ainda que a participação no seu capital social seja muito pequena, encerra muitos segredos que quando decifrados conceitualmente permitem movimentar-se nesse meio com muito mais inteligência e com melhores resultados.

Se alguém pretende acertar as ações que vão subir mais no futuro, lamento pela decepção que chegará, cedo ou tarde. Não precisamos tentar adivinhar e comprar as ações que vão subir mais, assim como sei que não preciso comer mais do que o necessário ainda que o nhoque esteja “dos deuses”. Sei que a tentação é por ter o máximo que pudermos, mas para ambos os casos, é melhor a escolha do equilíbrio, pois é o equilíbrio o que garante a boa saúde, tanto biológica como a financeira no caso da carteira de participações societárias.

Já falamos em postagens anteriores e temos ainda muito a falar sobre esses conceitos que envolvem “ser sócio de uma boa e rentável empresa”.

E sobre o brigadeiro? Um fato indiscutível é que o melhor brigadeiro do mundo é o de panela, com Leite Moça, a correta quantidade de Nescau (não adianta colocar “Toddy” ou algo similar) e uma pequena colher de manteiga. Mantenha o fogo baixo e mexa com a colher de pau durante todo o tempo. Quando ele tiver formado aquela consistência que “desgruda” do fundo, hora de desligar o fogo (não deixe passar desse ponto senão ele adquire aquele gosto de queimado). Nesse momento derrame o conteúdo em diversas xícaras ou potinhos e deixe a generosa porção na panela para comer com a colher. Ele esfria rápido. Agora que esfriou, esqueça o que eu disse no caso do nhoque. Cada um por si e quem puder garanta o seu!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Quem quer casar com Dona Baratinha...

... que tem fita no cabelo e ações na caixinha?

Particularmente e sem deixar ninguém chateado eu digo que nunca gostei dessa história/música que em minha infância era tocada nem sei onde, talvez fosse um daqueles disquinhos que tocavam na vitrolinha que eu tinha. Se você não sabe o que é uma vitrola ou uma radiola, você é novo demais e não se divertiu ouvindo essa história musical da Dona Baratinha e outros hits da época, como “Nuvem passageira” e outros. A barata sempre foi um bicho asqueroso, desses que não merece nem sequer uma historinha musical, muito menos um que falasse de uma barata que guardava suas economias em uma caixinha e que por isso seria uma excelente “esposa”. Sinceramente, não sei quem criou algo assim.

Mas eis que me liga essa semana uma querida amiga e manifesta a surpresa de descobrir após uns sete anos de convívio, que eu trabalho na área financeira e especificamente com ações. Disse-lhe que fazia isso há mais de quinze anos. Primeira reflexão que fiz ao desligar o telefone depois de nossa agradável conversa foi a de que não posso deixar nenhum amigo às escuras sobre o que faço profissionalmente, pois posso perder a chance de colaborar com alguém que precise de ajuda, assim como penso que consegui fazer com ela nessa conversa.

Ela estava passando por uma época muito tensa, pois nos últimos anos guardou um dinheiro aqui e ali, na verdade se esforçando como uma batalhadora de primeiro escalão para gerar tais reservas. Contou que havia feito um tremendo ajuste nas contas e hábitos domésticos para que fossem possíveis as sobras, ajuste feito com a colaboração da família que conscientemente fazia um esforço com vistas a um futuro mais tranqüilo, e finalmente que nos últimos anos havia comprado ações com uma boa parte dessa reserva.

A carteira dela, baseada nos principais papéis da Bolsa, os chamados “blue chips”, acabaram apresentando uma excelente valorização ao longo dos anos que a deixou extremamente feliz e surpresa pelas possibilidades de ganho com ações. Ela vislumbrava essa possibilidade de que suas reservas lhe permitiriam ir mudando sua vida conforme seus objetivos e não mais conforme a necessidade se apresentasse. Estava certa.

Obviamente que as tais “blue chips”, que têm esse nome derivado das fichas (chips) usadas nas apostas em cassinos e no pôquer onde as de cor azul eram as de maior valor, não se comportaram como tal quando o tsunami da crise mundial passou pela Bovespa, e isso a deixou com a sensação de que poderia estar errada em relação a investir em ações, e que talvez até devesse vender tudo antes que não tivesse mais nada (já conhecemos esse pensamento em outras postagens, não é?). Na verdade ela não pensou isso, mas foi aconselhada por outra pessoa, certamente alguém ainda mais assustado do que ela.

Felizmente ela encontrou, antes de falar comigo, outro amigo em comum que entende de finanças e a aconselhou a não vender nada nesses preços, então estava preocupada, porém resoluta em manter as ações em carteira.

A conversa desenvolveu-se inicialmente na mesma linha da que tive com a Dona Maricota (ver postagem do dia 2 de novembro), e depois ela contou que havia aprendido com os pais dela sobre essa maneira inteligente de ir guardando um pouco sempre para depois poder contar com uma reserva adequada para as necessidades que a vida apresenta ou para as escolhas que podemos fazer quando temos tais reservas.

Não disse a ela, mas é importante ressaltar aqui que nem mesmo a maior crise dos últimos cem anos foi capaz de destruir o ganho proporcionado para aqueles que souberam ser sócios de boas empresas nos últimos anos. Tomemos como exemplo Itaúsa quatro anos atrás, a ação da "holding" que controla o banco Itaú, que custava R$ 2,40 e hoje, mesmo apanhando como gente grande, custa R$ 9,00 (chegou a valer R$ 11,75 meses antes). No caso das ações de Itaúsa, mais de 3,5 vezes o valor aplicado.

Vamos ver a Vale do Rio Doce, ação conhecidíssima dos investidores. Na mesma época do primeiro exemplo, custava R$ 9,70 e agora, devastada pelo terremoto mundial custa R$ 25,90. Essa variação é de 2,70 vezes sobre o valor inicial. Se eu pegar mais uma das conhecidas, a Petrobrás, dá algo muito parecido, R$9,00 com R$ 23,80 hoje, ou seja, 2,60 vezes.
Outras ações, de empresas menos famosas tiveram performances ainda melhores nesse mesmo período, tendo algumas delas criado novos milionários pelo mundo.

Mais impressionante ainda seria pegar as cotações de épocas de crise mais forte, como em 2002 onde o mundo acreditou que o Brasil iria naufragar após a eleição do presidente atual. Dá até vergonha de falar, então deixo para o leitor a tarefa de checar as cotações daquele ano e compará-las com as atuais, ainda que estejamos no fundo de uma nova crise.

Não é fácil fazer com que nossa mente tenha uma visão inovadora, de horizontes mais amplos sobre como devemos encarar a oportunidade de comprar uma participação societária em empresas de grande porte, talvez porque a maneira como muitos se aproveitam dessa oportunidade seja inadequada para um plano de longo prazo onde podemos construir uma reserva que nos permita fazer novas escolhas para a vida. É claro que esse é um tema que merece muito mais atenção. Voltarei a ele em breve.

Fiquei feliz que minha amiga já conhece o caminho, embora possa aprender muito ainda sobre como realizar essa jornada. Parece que certa mesmo está a Dona Baratinha, e deixo aqui minha homenagem a quem criou aquela historinha, pois no fundo é até instrutiva.~

E você, como está se preparando para essa jornada?

sábado, 13 de dezembro de 2008

O bobo e a corte do rei

Como sempre fazemos, é costume observar os demais com o objetivo de aprender algo que nos permita melhorar ou como acontece também, apenas ter um pouco da diversão oferecida pelos demais.

Na última vez que fui esquiar, enquanto descia a montanha observei alguns esquiadores com um gorro ao estilo "bobo da corte", você sabe aquele chapéu colorido, com várias pontas, eventualmente com guizos ou outros ornamentos em cada uma delas. Imagino que fosse para divertir o resto dos esquiadores, pois não pensei em nenhuma outra explicação. Divertia-me ver aquelas figuras passarem com aquilo na cabeça.

Recordei dos tantos filmes e peças que representaram essa figura do “bufão”, misto de um alegre e cômico poeta com um debochado observador das peculiaridades das cortes e dos reis, figura até musical, que divertia a casta nobre e a própria alteza, falando verdades e bobagens que ninguém tinha coragem de dizer àqueles que teoricamente eram os mais inteligentes e capazes da região.

Resumindo, temos de um lado, o bobo, que era aquele que seduzia os que do outro lado, sendo supostamente mais capazes, eram mantidos em um estado de contínua embriaguez psicológica enquanto por muitas vezes o tal do bobo se aproveitava da proximidade com a família real para seu próprio benefício.

Apresento-lhes Bernard Madoff, se é que vocês todos já não leram sobre a recém-descoberta fraude por trás de uma grande firma de gestão de fundos de investimento de Nova Iorque da qual ele era o dono. Não vou descrever o que todos já sabem, apenas recordar que era uma firma que estava no mercado desde a década de sessenta, com quase cinqüenta bilhões de dólares sob suas asas, com um gama enorme de clientes, desde pessoas físicas de muita riqueza a outros fundos e instituições financeiras do mundo todo.

Talvez o mais interessante dessa triste epopéia seja o fato de sua fraude ser a imagem perfeita daqueles golpes estilo “pirâmide”, ou seja, quando os que vêm em maior número vão sustentando os de cima, em um ciclo que pode ser ampliado indefinidamente até que não haja mais quem colocar embaixo, deixando à mostra o enorme buraco do esquema. Tinha uma empresa americana usando um modelo desses, vendendo produtos para o lar que chegou a ser uma febre aqui no Brasil uns dez ou mais anos atrás. Pois é, ele rentabilizava os de cima com o dinheiro dos de baixo, ou algo bem parecido com isso.

Incrível pensar como uma empresa desse tamanho pode manter tanta gente séria sendo enganada por tanto tempo. Mas tem explicação. Os rendimentos altos para o padrão da indústria americana de fundos, repetidos ano após ano sem que o gestor desse nenhuma explicação real de como obtinha tais ganhos nem divulgasse a composição das carteiras dos fundos eram condições que embora esquisitas como fossem não conseguiam diminuir a embriaguez causada pelos bons ganhos financeiros. Justifica-se o não justificável com um retorno do tipo “cala a boca”.

Tem gosto pra tudo, inclusive para o tipo de investidor que não se importa em conhecer como pensa o gestor de um fundo e conhecer como ele tem feito para entregar os resultados passados. Importam-se apenas em olhar a cota mensal e compará-la com os demais fundos, muitas vezes pulando de um fundo para outro, perseguindo a “cota perfeita”, mas sempre com atraso. É o mesmo pensamento daquele que fica mudando de fila no pedágio ou nos caixas do supermercado, sempre com a sensação de que tem que ser o primeiro, o melhor em qualquer ocasião, não admitindo que sua fila ande menos que a do outro. Você riu porque se lembrou de alguma ocasião que fez o mesmo? Tudo bem, nós ainda estamos lutando contra essa influência lamentável de nosso instinto.

Espero que o investidor que ainda esteja vivendo essa dificuldade, o faça apenas em supermercados ou nos pedágios, e que para seus investimentos conheça profundamente a visão que norteia o gestor, conheça bem seus pensamentos, seus objetivos e especialmente conheça-o pessoalmente, que possa estar com ele algumas vezes ao ano, olhando em seu olho para confirmar que ele cuida de seus recursos como cuida dos próprios. O tal do Madoff foi preso pelo FBI na 6ª feira passada. O triste não é os mais de 20 anos de cadeia que ele vai pegar mas sim o desespero de muitos que embriagados pelos vários anos de misteriosos bons resultados, haviam aplicado todos os recursos pessoais com ele.

Não existe ganho fácil, nem rápido e nem devagar, isso todos aprendem cedo ou tarde.

Fica para cada um a reflexão de quantas vezes somos tentados ao fácil. Se uma coisa eu aprendi nesses mais de quinze anos de mercado financeiro foi lutar continuamente contra esse pensamento que nos faz ver o bobo e achar graça, nos faz rir de suas perigosas melodias que enquanto seduzem, nos deixam embriagados. E se em algum momento nos descuidamos, pergunto:

- Quem é o bobo da corte?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Deus era brasileiro. Ainda é?

Ainda nem esfriou a outra postagem sobre Deus ser ou não brasileiro (ver postagem de 27/outubro), já comecei a ouvir novos comentários nos meios de comunicação sobre nossa acelerada caminhada para juntarmo-nos ao time dos países condenados, já que a crise não só chegou à nossas terras como causou os primeiros estragos. Será que Deus não era mesmo brasileiro?

Apenas nas últimas três semanas, a quantidade de dados econômicos e entrevistas publicadas dão o correto tom do ambiente mental em que submergimos, o que não é para surpreender ninguém que acompanhe com atenção o que acontece na economia real. Mas volto a repetir, ficou muito forte no mundo mental o pensamento do pessimismo. O que temos para apresentar em contrário? Algumas observações daquelas que provam a regra do "eu só vejo o que quero, ou o que os pensamentos me mandam ver".

Ligaram-me alguns clientes e amigos nos últimos dez dias com o discurso que o mercado estava cada dia pior, que não aguentam mais ver o mercado cair, que parecia não ter fim o sofrimento, e etc. Vou ser sincero, eu tive a mesma sensação de que o mercado estava piorando nas últimas semanas e que vinha caindo mais ainda, até que fui aos gráficos e tabelas históricas para saber o quanto daquela sensação estava estampada nos preços. Conclusão? Fazia quase dois meses que a Bovespa oscilava bastante mas não saia do patamar dos 35 mil pontos (não que esse patamar queira dizer algo), ou seja, nos últimos dois meses não só os preços não mais se deterioraram como estavam ainda querendo recuperar algum terreno, o que algumas ações conseguiram fazer timidamente à custa de outras, é claro.

Foram nessas últimas semanas que vieram à tona alguns dos piores indicadores econômicos que o mundo viu na atualidade, alguns deles rivalizando com crises já centenárias. Foi nesse mesmo período que "caiu a ficha" para a maior parte dos brasileiros. Então o que aconteceu para a manutenção desse patamar e que ainda permitiu a recuperação desses últimos dias?

Simples. Não se esqueça do que você ouviu quando era criança, que a Bolsa sobe no boato e cai no fato. Ora, se isso é verdade para um mercado que opera entre outras coisas, expectativas, o oposto precisa ser verdadeiro, e assim sendo, é sensato afirmar que o movimento que segurou a Bovespa naquele patamar por quase dois meses, impedindo uma queda maior, é o resultado de uma mudança, ainda que contida, no foco do observador, que deixou de olhar para os próximos seis meses e passou a mirar o segundo semestre de 2009 e adiante.

Não se embriague com o perfume doce desse otimismo em relação ao futuro pós seis meses, ele é sensato e fruto de uma análise realista, mas o mercado ainda sofrerá a pressão vendedora de muitos outros indicadores que serão divulgados nos próximos meses, tanto os de economia como os de resultado das empresas. Ué, agora te confundi, né? É para ser otimista ou pessimista?

É para ser realista, é para manter o rumo traçado e o olho na bússola. Vamos ter ainda muitas trovoadas, vamos ter mais encrencas nas economias reais dos países desenvolvidos e algumas na nossa, mas uma coisa ninguém pode esquecer. O mundo nunca realizou uma ação coordenada que lembrasse em pequeno esse gigante esforço governamental que estamos vendo nos quatro cantos. Nunca se planejou ou se preparou uma injeção de dinheiro novo como o que está sendo introduzido a partir de agora (muitos dos pacotes anunciados demorarão meses para serem aplicados efetivamente).

Ninguém sabe ao certo as consequências que essa montanha de dinheiro, direto e indireto, terá quando a crise passar. Talvez gere uma crise oposta, trazendo a necessidade de outras medidas para lidar, por exemplo, com o endividamento público que aumentará em muitos países agora. Outros problemas serão apontados e enfrentados oportunamente.

E se não bastassem as boas perspectivas para o longo prazo, para pós-crise, de quando em quando somos brindados com uma injeção de segurança, de sensatez e honestidade para com o povo brasileiro.

Estou falando do COPOM, que mais uma vez resistiu à bravata dos mentecaptos que não se cansam de pedir a queda do juro, como se a alta taxa com a qual o governo remunera o dinheiro que toma emprestado do mercado fosse fruto da má intenção de alguém. Parabéns aos membros do COPOM, que com essas atuações corretas, de acordo com o mandato que o povo avalizou, tem permitido que o país continue a gozar da boa reputação financeira e creditícia que tem.

Quem ainda duvidava se Deus era mesmo brasileiro, não tenha mais dúvidas. Ele não só é brasileiro como tem assento e direito a voto no COPOM!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O efeito "paralaxe" (Parte II)

(a parte I dessa postagem encontra-se logo abaixo, nesta mesma página)

Voltamos à imagem da paralaxe medindo a distância das estrelas e aplicamos o modelo ao mercado financeiro, especificamente à precificação das ações de empresas com capital aberto em Bolsa de Valores.

Sobre o pano de fundo contra o qual o observador mede a posição das estrelas, eu pergunto: você tem olhado para o céu noturno em sua cidade? Em caso afirmativo, o que tem visto? Se você respondeu que não tem visto muita coisa porque a luminosidade e poluição são impeditivos, eu lamento por nós todos e o máximo que posso aconselhar é uma viagem no próximo fim-de-semana. Ainda assim, nenhum de nós pode afirmar que pelo fato de não estar visível aos nossos olhos, não significa que o céu não tem aquele montão de estrelas que costumam aparecer nos documentários televisivos.

Uma analogia para a nossa análise financeira é possível. Nosso pano de fundo são os outros 6,6 bilhões de seres que habitam a Terra, número difícil de imaginar mas ainda grande o suficiente para impressionar qualquer um que resolva fazer uma conta para quantificar o que ocorre todo dia. Imaginem que esse povo todo consome algo, seja energia, alimentos, roupas, eletrônicos, serviços, móveis, automóveis, lazer, livros, educação, serviços de saúde, serviços de telecomunicação, tele e rádio difusão, etc. Sei que muitos deles não tem acesso a todos os itens acima, mesmo porque, se tivessem nós estaríamos enfrentando literalmente uma guerra global por produtos e recursos naturais, do tipo das que já ocorrem hoje em menor escala. Pois é, não importa se a crise é grande ou pequena, qualquer que seja, sucumbirá cedo ou tarde ao poder de consumo dessa massa. Ou então voltamos à "barbárie" do mundo das cavernas e cada um cuide de caçar sua própria comida.

As estrelas da nossa imagem são as empresas e suas respectivas ações, precificadas diariamente na Bolsa de Valores. Lembre-se que o estudo pela paralaxe exige que o observador faça suas marcações em duas posições diferentes porém conhecidas. Diremos que tomaremos a primeira medida na posição de quem observa apenas o preço de negociação de cada uma das ações atualmente. O preço por si mesmo não diz nada, apenas reflete o equilíbrio, ou falta dele, na oferta e demanda pelo ativo financeiro. Se recordamos que o essa oferta e procura se dá em virtude da disponibilidade de dinheiro no sistema, concluímos que o preço negociado em Bolsa apenas reflete o preço para a liquidação daquele ativo e sucessivo recebimento dos recursos equivalentes.

Na posição em que tomaremos a outra medida de distância encontramos a compreensão sobre o quanto a empresa e o setor no qual ela se insere foram e serão afetados pela crise atual. Obviamente que essa tarefa não é fácil, mas contamos, além de com nosso próprio conhecimento e experiência, com a grande quantidade de modelos aplicados por grandes e pequenos bancos, que fazem dezenas de análises cada um para tentar prever como será o comportamento de cada empresa dada uma nova condição econômica. O trabalho de ler e filtrar cada um desses relatórios é imenso, mas no final do processo, que se repete continuamente, é possível, quando se avalia um prazo de cinco anos ou mais, mensurar com alguma segurança o que essa empresa vai ter de oportunidades e desafios, e o consequente resultado financeiro para seus acionistas.

Finalmente temos a resultante da diferença entre as duas medições realizadas, e chegamos ao ponto final da aplicação do modelo.

Para avaliar quais empresas queremos ser sócios para o longo prazo utilizamos a visão que é conhecida como value investing, ou seja, a busca por ações que estejam sendo negociadas à preços inferiores ao seu valor intrínseco. Em outras palavras, oportunidades que se apresentam na diferença entre o preço praticado para aquela ação e o preço que a mesma vale como fração do "todo" que ela representa. O problema sobre essa medida é estimar o real valor intrínseco, e para ser mais preciso, afirmo que não pode haver um valor intrínseco real que seja único ou uma verdade absoluta, pois esse valor é sempre o resultado da avaliação que cada um faz, tanto dos ativos e passivos atuais , como do futuro fluxo de caixa da empresa. Alguns investidores tendem a atribuir maior peso para os ativos e passivos atuais do que ao fluxo de caixa futuro, alguns fazem o oposto e ainda existem os que consideram ambos.

O certo é que muitas ações de boas empresas estão em preços de barganha e estão em um ótimo ponto de entrada , não preciso falar das mais conhecidas que estão nessa condição, e se fosse falar das menos conhecidas, mas não menos interessantes, precisaria de algumas páginas. Simples, não? Espero que a paralaxe aplicada ao mercado tenha gerado várias reflexões e que você tenha chegado a boas conclusões.

Obs.: Sem consultar a internet ou a pessoa do lado, responda à nova enquete sobre as estrelas que está lá em cima, no lado direito desta postagem.