domingo, 25 de janeiro de 2009

O Amaro, Obama e a maquininha de fazer dinheiro

A impressão que temos ao ler os jornais dos últimos meses, com os anúncios de governos no mundo inteiro preparando planos de combate à crise, poderia ser a de que ninguém sabe se a crise será maior ou menor do que a disposição e dinheiro dos que a combatem, ou ainda mais intrigante, onde é que esses governos vão achar tanto dinheiro para irrigar as economias desses países nos montantes anunciados.

Com esse ar intrigante me ligou o Amaro, amigo de longa data, companheiro nos momentos felizes e nos tristes, daqueles que sempre dá pra gente se divertir mesmo quando falamos das coisas mais difíceis da vida.

A dúvida em sua mente era exatamente como poderiam esses governos lançar tais pacotes. Incomodava-o acreditar que nossos primos do norte poderiam lançar pacotes que somam alguns trilhões de dólares americanos.

A conversa desenvolveu-se mais ou menos assim:

− Oi, tudo bem? Tô preocupado com essas notícias sobre os pacotes contra a crise! − abriu a sessão o Amaro.

− Amaro, o quê exatamente te preocupa, a crise ou o pacote de resgate que os americanos anunciaram?

− Esse dinheiro todo que eles tão falando nos jornais. Os caras têm toda essa dinheirama?

− Não, não tem, mas é fácil de ter. Sabe a máquina de verdinhas? – perguntei me referindo às máquinas que imprimem dinheiro e que só têm esse nome porque como todos sabem lá as cédulas são monocromáticas em tom verde.

− Que maquininha verde? Do quê você tá falando? – esbaforiu ele com aquele ar de quem está metade assustado e metade perdido.

Respirei fundo sabendo que a resposta precisava não apenas de informação, mas de bastante paciência para frear aquele estado de confusão e medo na mente do Amaro, e mudei a tática:

− Amaro, o dinheiro que um país dispõe para gastar ou investir é aquele oriundo dos impostos arrecadados e mais a capacidade de endividar-se, que por sua vez é diretamente proporcional à confiança que o público “emprestador” tem nesse país. No caso americano (do norte), afora a gigantesca arrecadação governamental, o país é considerado como o de menor risco existente no planeta, na prática, tido como risco zero. Então a resposta é que eles têm o dinheiro que precisarem, é só mandar a casa da moeda imprimir mais.

− Mas como assim? E pode isso, não tem limite? – continuou descrente.

− Sim, tem limite, mas esse limite é elástico. O Brasil, por exemplo, que não tem tal nível de credibilidade – continuei – tem uma dívida pública que corresponde a 37% do PIB e ainda temos que gerar uma sobra de arrecadação que é utilizada para diminuir essa relação a cada ano. Essa diminuição é necessária principalmente porque temos taxa de juro muito alta, gerando um enorme custo de “serviço da dívida” (o que se gasta em juros e correções do principal).

− Então, os caras vão conviver com um déficit enorme nesses próximos anos, isso não vai quebrar as contas públicas deles? – era a última tentativa que ele fazia para sustentar aquela posição de desconfiança.

A explicação que dei para tal possibilidade de gerar mais dívidas é a de que o sistema vigente permite tais regalias, pois se sustenta na credibilidade e não em produtos ou bens, ou ainda em reservas de metais preciosos como eram usadas antigamente. Em suma, o atual é um sistema que vive na perigosa linha do equilíbrio psicológico mútuo, ou em casos de crise como agora, na linha de frente da guerra psicológica.

Diferente do Brasil, existe uma condição propícia para os Estados Unidos da América gerar tal aumento no déficit orçamentário, pois inversamente ao nosso caso, o custo de rolar uma dívida lá é baixíssimo se comparado ao nosso. É a mesma coisa de tomar dinheiro emprestado com um amigo e pagar corrigido ao CDI ao invés de ficar estourado no cheque especial, ou seja, um abismo separa ambos.

− Você tá mesmo otimista com tudo isso, não tá vendo a verdade! – sentenciou o Amaro.

Em alguns segundos fiz uma recordação mental dos últimos seis meses de crise e acontecimentos globais, e então respondi:

− Amaro, eles vão ter todo o dinheiro que julgarem necessário. O PIB deles é algo como USD 14 trilhões (o nosso deve estar em torno de BRL 3 tri). Eles vão subir o endividamento público do país em mais USD 1.2 tri de dólares. Possivelmente vão rodar uns dois ou três anos nesse nível enquanto a economia prepara para retomar o crescimento que apresentava, para então parar de aumentar o furo e eventualmente diminuí-lo.

Falei ainda sobre a ascensão do Obama ao poder e tudo o que representava isso para aquele país e para o mundo. Manifestei-lhe que a julgar pelo que conhecemos até agora, o novo presidente pode ser a pessoa certa para reconduzir a economia mundial ao ponto em que eles mesmos se perderam anteriormente. Mas essa parte caiu no vazio.

Julguei ser prudente não mencionar que o Brasil é atualmente o 6º maior credor do Tesouro americano na categoria “estrangeiros”, incluídos nessa lista alguns gigantes como China, Japão e etc. Nós possuindo mais de USD 140 bilhões em títulos daquele emissor.

Mas já era o final da conversa. Não sei se foram os números que o deixaram meio assombrado ou se eu havia despertado nele a nobre virtude da humildade que aflora quando nos vemos frente algo muito maior que nossas forças ou do que nossa compreensão.

Não me lembro o que ele disse antes de desligar, mas fiquei com a sensação de que ele não estava mais preocupado de onde sairão as montanhas de dinheiro que serão injetadas na economia mundial. Devia estar pensando na próxima preocupação da lista.

Talvez cada um de nós, assim como o Amaro, tenha sentido um dia um choque de realidade ao descobrir que o dinheiro que nasce na economia e que é poupado por cada cidadão ou governo, acaba sendo o mesmo que financia o déficit daqueles que gastam mais do que arrecadam. Ao mesmo tempo, os que gastam mais acabam gerando mais riqueza global, que por sua vez, na parcela que não é destinada aos gastos e investimentos, reflete-se na compra de mais títulos de dívida (poupança), e o ciclo se repete indeterminadamente.

Acho que o Amaro fez as pazes com o Obama. Não me surpreenderei se ele sonhar com a maquininha verde.

Então, o que será de todos nós? Ora, ao trabalho como sempre fizemos, pois o ciclo continua e de acordo com o resultado parcial da enquete ao lado, ainda vamos rir muito de tudo isso.

Um comentário:

Mari disse...

Se eu fosse o Amaro teria feito uma última pergunta antes de desligar:
- E essa tal maquininha, resolve ou não resolve a crise?