domingo, 25 de janeiro de 2009

O Amaro, Obama e a maquininha de fazer dinheiro

A impressão que temos ao ler os jornais dos últimos meses, com os anúncios de governos no mundo inteiro preparando planos de combate à crise, poderia ser a de que ninguém sabe se a crise será maior ou menor do que a disposição e dinheiro dos que a combatem, ou ainda mais intrigante, onde é que esses governos vão achar tanto dinheiro para irrigar as economias desses países nos montantes anunciados.

Com esse ar intrigante me ligou o Amaro, amigo de longa data, companheiro nos momentos felizes e nos tristes, daqueles que sempre dá pra gente se divertir mesmo quando falamos das coisas mais difíceis da vida.

A dúvida em sua mente era exatamente como poderiam esses governos lançar tais pacotes. Incomodava-o acreditar que nossos primos do norte poderiam lançar pacotes que somam alguns trilhões de dólares americanos.

A conversa desenvolveu-se mais ou menos assim:

− Oi, tudo bem? Tô preocupado com essas notícias sobre os pacotes contra a crise! − abriu a sessão o Amaro.

− Amaro, o quê exatamente te preocupa, a crise ou o pacote de resgate que os americanos anunciaram?

− Esse dinheiro todo que eles tão falando nos jornais. Os caras têm toda essa dinheirama?

− Não, não tem, mas é fácil de ter. Sabe a máquina de verdinhas? – perguntei me referindo às máquinas que imprimem dinheiro e que só têm esse nome porque como todos sabem lá as cédulas são monocromáticas em tom verde.

− Que maquininha verde? Do quê você tá falando? – esbaforiu ele com aquele ar de quem está metade assustado e metade perdido.

Respirei fundo sabendo que a resposta precisava não apenas de informação, mas de bastante paciência para frear aquele estado de confusão e medo na mente do Amaro, e mudei a tática:

− Amaro, o dinheiro que um país dispõe para gastar ou investir é aquele oriundo dos impostos arrecadados e mais a capacidade de endividar-se, que por sua vez é diretamente proporcional à confiança que o público “emprestador” tem nesse país. No caso americano (do norte), afora a gigantesca arrecadação governamental, o país é considerado como o de menor risco existente no planeta, na prática, tido como risco zero. Então a resposta é que eles têm o dinheiro que precisarem, é só mandar a casa da moeda imprimir mais.

− Mas como assim? E pode isso, não tem limite? – continuou descrente.

− Sim, tem limite, mas esse limite é elástico. O Brasil, por exemplo, que não tem tal nível de credibilidade – continuei – tem uma dívida pública que corresponde a 37% do PIB e ainda temos que gerar uma sobra de arrecadação que é utilizada para diminuir essa relação a cada ano. Essa diminuição é necessária principalmente porque temos taxa de juro muito alta, gerando um enorme custo de “serviço da dívida” (o que se gasta em juros e correções do principal).

− Então, os caras vão conviver com um déficit enorme nesses próximos anos, isso não vai quebrar as contas públicas deles? – era a última tentativa que ele fazia para sustentar aquela posição de desconfiança.

A explicação que dei para tal possibilidade de gerar mais dívidas é a de que o sistema vigente permite tais regalias, pois se sustenta na credibilidade e não em produtos ou bens, ou ainda em reservas de metais preciosos como eram usadas antigamente. Em suma, o atual é um sistema que vive na perigosa linha do equilíbrio psicológico mútuo, ou em casos de crise como agora, na linha de frente da guerra psicológica.

Diferente do Brasil, existe uma condição propícia para os Estados Unidos da América gerar tal aumento no déficit orçamentário, pois inversamente ao nosso caso, o custo de rolar uma dívida lá é baixíssimo se comparado ao nosso. É a mesma coisa de tomar dinheiro emprestado com um amigo e pagar corrigido ao CDI ao invés de ficar estourado no cheque especial, ou seja, um abismo separa ambos.

− Você tá mesmo otimista com tudo isso, não tá vendo a verdade! – sentenciou o Amaro.

Em alguns segundos fiz uma recordação mental dos últimos seis meses de crise e acontecimentos globais, e então respondi:

− Amaro, eles vão ter todo o dinheiro que julgarem necessário. O PIB deles é algo como USD 14 trilhões (o nosso deve estar em torno de BRL 3 tri). Eles vão subir o endividamento público do país em mais USD 1.2 tri de dólares. Possivelmente vão rodar uns dois ou três anos nesse nível enquanto a economia prepara para retomar o crescimento que apresentava, para então parar de aumentar o furo e eventualmente diminuí-lo.

Falei ainda sobre a ascensão do Obama ao poder e tudo o que representava isso para aquele país e para o mundo. Manifestei-lhe que a julgar pelo que conhecemos até agora, o novo presidente pode ser a pessoa certa para reconduzir a economia mundial ao ponto em que eles mesmos se perderam anteriormente. Mas essa parte caiu no vazio.

Julguei ser prudente não mencionar que o Brasil é atualmente o 6º maior credor do Tesouro americano na categoria “estrangeiros”, incluídos nessa lista alguns gigantes como China, Japão e etc. Nós possuindo mais de USD 140 bilhões em títulos daquele emissor.

Mas já era o final da conversa. Não sei se foram os números que o deixaram meio assombrado ou se eu havia despertado nele a nobre virtude da humildade que aflora quando nos vemos frente algo muito maior que nossas forças ou do que nossa compreensão.

Não me lembro o que ele disse antes de desligar, mas fiquei com a sensação de que ele não estava mais preocupado de onde sairão as montanhas de dinheiro que serão injetadas na economia mundial. Devia estar pensando na próxima preocupação da lista.

Talvez cada um de nós, assim como o Amaro, tenha sentido um dia um choque de realidade ao descobrir que o dinheiro que nasce na economia e que é poupado por cada cidadão ou governo, acaba sendo o mesmo que financia o déficit daqueles que gastam mais do que arrecadam. Ao mesmo tempo, os que gastam mais acabam gerando mais riqueza global, que por sua vez, na parcela que não é destinada aos gastos e investimentos, reflete-se na compra de mais títulos de dívida (poupança), e o ciclo se repete indeterminadamente.

Acho que o Amaro fez as pazes com o Obama. Não me surpreenderei se ele sonhar com a maquininha verde.

Então, o que será de todos nós? Ora, ao trabalho como sempre fizemos, pois o ciclo continua e de acordo com o resultado parcial da enquete ao lado, ainda vamos rir muito de tudo isso.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O que um piloto de corrida faz quando vê a luz verde?

Eu já disse antes que analisar a história econômica de um país como o Brasil é sempre um exercício interessante. A começar porque no início mesmo, antes de Cabral, chamava-se Pindorama (terra das palmeiras na língua indígena). Como um lugar chamado Pindorama transformou-se no que somos hoje é de torcer a barba de qualquer historiador.

Você pode, ao deter-se no assunto economia brasileira, observar os fatos ocorridos e as consequências atuais dos mesmos, assim como pode estudá-los para tentar entender como será o futuro a partir daquilo e tomar suas decisões. Mas cuidado! Essa é a forma de fazê-lo quando o objeto de estudo tem uma trajetória centrada no normal e previsível, o que todos sabem não ser verdade para o nosso país até pouco tempo atrás.

Vejamos um assunto que tanto nos interessa, o regime de metas de inflação adotado pelo Brasil em junho de 1999, ainda que erroneamente muitos entendam que suas vidas não têm nada a ver com isso. Na verdade eu queria mesmo era falar de “Fórmula 1”, esporte que me fascina e que acompanho desde infância, mas deixarei esse assunto para quando o circo estiver montado a partir de março. Contentarei-me apenas com o título desta postagem, que ainda assim, está correto para o assunto de hoje. Continuando então...

Esse regime, inicialmente criado pela Nova Zelândia em 1990, prevê o uso da política monetária como forma do Banco Central fazer convergir a inflação real para a meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (no nosso caso). É um jogo psicológico, onde quanto mais o mercado acredita que o Banco Central vai utilizar o que for necessário para convergir a inflação para o objetivo, mais facilmente os agentes econômicos (indústria, comércio e serviços) se planejam de acordo com essa meta de inflação, o que acaba por trazer de fato a inflação realizada para a meta ou próximo dela.

Ainda de acordo com o modelo acima, os ajustes feitos em cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) devem ser suficientes para produzir tal efeito, ou seja, aumentando ou diminuindo a taxa de juro básica para desestimular ou estimular a economia, mirando a sempre a inflação. Agora pergunto se você leitor pauta as suas decisões de consumo e investimento a cada mudança na taxa de juro ou se você simplesmente pensa se no seu orçamento cabem tais aquisições? Obviamente que a taxa de juro está implícita no preço que você paga pelo serviço ou bem que quer consumir, então você não está isolado dessa realidade quando toma a decisão, mesmo que você esqueça isso.

O que faz com que a reunião desta semana tenha tido um significado que mereça o título desta postagem é o fato de que começar um regime de metas de inflação em um país com taxa de juro nominal baixo é uma coisa, mas fazer o mesmo em um país que no início de 1999 tinha taxa de quase 30% ao ano é outra coisa, é um enorme desafio.

Pense no efeito psicológico que advém dos aumentos e diminuições da taxa de juro de 0,25% ou 0,50% comumente utilizadas pelo Copom. Agora pense no efeito que essas mudanças de taxas têm nos cálculos de investimentos e planos de negócios que as empresas estabelecem antes de realizar os investimentos. Sim, quase nenhuma influência em um país com taxa de juro alta como a nossa foi, e inversamente, muita influência em um país que pratica taxas baixas já que percentualmente essas mudanças pequenas significam mais.

Por motivos óbvios, poucas oportunidades surgem na história de um país que o permita fazer ajustes pesados no patamar da taxa praticada, afinal, se pudesse fazê-lo antes, por que não o teria feito? Pois bem, estamos diante de uma dessas oportunidades que no jargão do automobilismo, pode conduzir-nos para uma posição no pelotão da frente ao invés de ficar brigando para chegar em décimo lugar como temos feito nos últimos quinze anos. Taxa de juro em patamar baixo é o mesmo que largar com tanque mais vazio, você tem uma vantagem competitiva enorme e mesmo que precise parar de vez em quando para reabastecer, sempre voltará à pista na frente dos que não largaram tão rápido como você (se não acredita nessa teoria, me explique os infinitos títulos do Schumacher na Ferrari).

A crise global criou, paralela às dificuldades, a condição especial para fazer esse ajuste, pois as condições da economia doméstica estão sob jugo das condições econômicas mundiais, não tendo muito efeito no país uma queda de 1% na taxa como vimos essa semana. Se por um lado isso faz parecer que estamos sem muitas ferramentas para contrapor a crise (o que é verdade), por outro nos dá a liberdade de fazer um ajuste mais profundo no patamar da taxa de juro, assim como fez o Copom nessa última reunião. Certamente não teremos riscos à meta de inflação se o câmbio continuar igual ou melhor do que está, e se a economia mundial continuar em dificuldades, sendo razoável esperar por mais duas reduções de igual magnitude ou algo com um resultado similar, que ao final do semestre, nos tenha deixado nessa condição mais confortável de pilotar um carro mais ajustado, mais “normal”, onde a taxa de juro da economia estejam próximos de mudar de dois dígitos para apenas um.

Acelerar! Espero que tenhamos a oportunidade de ver cortes ainda maiores na taxa antes que seja necessário parar as reduções, o que ocorrerá apenas quando a nossa atividade econômica der sinais de que não poderá produzir o suficiente para atender à demanda sem gerar inflação, o que não está no radar dos próximos meses dado a diminuição da capacidade utilizada do parque fabril instalado no país. Outros elementos poderiam fazer ascender uma luz amarela no Copom, mas todos estão relacionados de um jeito ou de outro, com o aumento da atividade econômica mundial e local, ambos como já disse, ainda no campo do desejo.

Conseguir um lugar no pódio da corrida pelo desenvolvimento econômico e social do mundo exige mais do que adequar a taxa de juro para níveis mais baixos enquanto mantém a inflação sob controle, que o diga a infindável lista de reformas pendentes no Executivo e Legislativo, mas largar leve e dispor de uma aceleração melhor já fazem a diferença entre participar de uma corrida ou entrar nela para disputar uma vaga no pódio.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O "morto-vivo", realidade ou ficção?

Como primeira postagem do ano, vou propor algumas reflexões sobre uma vivência que eu tive. Considere a possibilidade de ver a si mesmo na situação que vou descrever, não em relação ao mercado financeiro, ou melhor, não apenas sob esse enfoque.

Pois bem, sobre a pergunta do título, eu não queria estragar a surpresa afirmando que a resposta correta é “realidade”, mas como acabei falando com um deles na semana passada me senti na obrigação de fazer tal revelação.

A fisionomia da personagem citada não parecia em nada com a dos zumbis dos filmes de terror que evitei a vida toda, muito menos acho que algum diretor de Hollywood tenha vestido os tais mortos-vivos com as roupas caras que vestia o meu conhecido. Importante entender que essas diferenças cosméticas não me impediram de ver a grotesca semelhança.

Iniciou a conversa daquela manhã naquele tom de voz de vilão de novela passando conversa fiada no sogro milionário com o objetivo de conseguir a benção para casar com a bela e inocente filha. Introduziu o assunto com a seriedade exigida quando se vai demitir alguém ou informar um parente sobre o estado terminal de saúde do paciente. (Incrível o que imagens analógicas constroem em nossas mentes, não?)

Anunciava-me, enquanto estendia as mãos querendo sugar-me para o mundo dos mortos, que a economia sucumbiria em breve com os conseqüentes efeitos no mercado financeiro, e como que para dissipar qualquer dúvida que por ventura eu tivesse, recordou-me que naquele instante a Bolsa de Valores caia mais de 2%. Sua irmã havia relatado alarmada que a empresa da qual ela é dona havia vendido só 5% a mais que no mesmo mês do ano anterior, muito abaixo do que previa vender neste último Dezembro. Obviamente que nesse relato ela omitiu o fato de que no acumulado dos últimos doze meses ela deve ter vendido muito mais do que em 2007. A mente de meu amigo havia sucumbido aos pensamentos de terror. Estava “morto”.

Entenda que para alguém como eu, que passa o dia lendo relatórios sobre economia e empresas, que freqüenta reuniões e conferências sobre o mercado acionário, que contata diretamente os departamentos de relações com investidores das empresas e atende às suas apresentações, o cenário que ele traçava era exatamente o que todos nós no mercado sabíamos que iria acontecer quando essa crise atingiu seu ponto máximo e cortou o fluxo financeiro para a economia real, ou seja, uma forte freada na economia brasileira. Ainda assim, que semelhança tem isso com o cenário catastrófico que algumas pessoas têm tentado difundir para nós? Pouca e débil semelhança.

Já aprendi que na vida, em qualquer de seus aspectos, toda interrupção é um retrocesso, sendo inevitável observar tal verdade no que diz respeito à economia ou finanças, mas assim como após um retrocesso nós colocamos as melhores energias para retomar o terreno perdido, o mundo está se posicionando para tal, com cada uma das medidas possíveis sendo tomadas para que essa retomada não demore muito para acontecer. Vai demorar um pouco, resultado inerente do processo de causas e efeitos que rege o universo com ou sem nosso conhecimento.

Embora eu não vá tratar novamente de muitos pontos já apresentados em outras postagens deste blog, sobre a dinâmica da economia real e sobre o mercado, é necessário reafirmar o que já disse antes, que cabe a cada um de nós escolhermos sob qual lente examinará a realidade do mercado financeiro e viver as conseqüências de tal decisão. Eu posso dizer por mim e pelos que tem compartilhado dessa compreensão, que mesmo vivendo a maior crise financeira que o mundo viu no tempo moderno, estamos serenos em nossos objetivos, transformando a crise em uma grande oportunidade. Fácil de realizar não é, mas como diz a sabedoria popular, o que vem fácil, fácil se vai.

Nosso amigo, zumbi por opção, ligou-me novamente ao final da tarde, e como em um passe de mágica a Bolsa havia virado e naquele instante subia quase 3%, a primeira coisa que me perguntou foi “será que estou errado?”.

Para não alongar o relato, recordei-o que embora estejamos vivendo na economia real o que o mercado já precificou três meses atrás, por outro lado estamos vendo a montagem de um cenário que tem grande chance de ser a maior corrida por ativos de risco que o mundo já viu nas últimas décadas, cenário que tem seu fundamento na enorme pilha de dinheiro que os fundos e demais investidores montaram com a venda de tantos ativos recentemente. Existem alguns fatores que são como marcos que precisam ser atingidos para disparar tal corrida e como eles não serão atingidos tão cedo, até lá o mercado continua refém dos zumbis.

Fiquei pensando se não somos um pouco zumbis em outros aspectos da vida, oscilando entre estados de ânimo tão diferentes que até pareceriam com o calor e o frio, ou com a vida e a morte.

É preciso encontrar essa lente que nos permita passar pelas crises que a vida sempre apresenta e transformá-las em algo útil. Penso que é hora de nos levantarmos contra o domínio dessas correntes mentais que querem impor um estado de sítio na mente humana, impedindo-nos de exercer o saudável exercício de pensar, de razoar, de julgar e formar nossas próprias conclusões, de buscar em cada experiência difícil, o elemento que faltou para que acabasse diferente.

Meus votos são de que 2009 seja o ano em que cada um de nós possa conquistar mais essa condição, humana por excelência, realizável pelo esforço, de ser cada dia mais o dono de seus pensamentos, forjando um futuro melhor para si e para a humanidade.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O nhoque, o brigadeiro e as ações

Impressionam-me as tantas dificuldades que nós temos em relação às coisas simples da vida, qualquer que seja o assunto. Parece que nós, seres humanos, ainda não aprendemos a lidar com os pensamentos que em vários campos da vida tentam nos levar para o desequilíbrio.

Por exemplo, eu gosto de nhoque de batatas. A cozinheira aqui em casa faz sempre misto, de batatas e de mandioquinha. Eu também gosto de mandioquinha, mas gosto mais ainda do nhoque de batatas, ainda que ela sempre faça o misto.

Cada vez que ela coloca a travessa cheia na mesa, eu começo a curtir o aroma e o visual daquela magnífica obra de arte (quando bem feita, é claro) e minha boca só não enche de saliva porque não dá tempo, eu logo mando a primeira garfada. O que ocorre depois é quase como um filme que se repete, vou comendo em ritmo acelerado porque a comida está muito gostosa, e meu organismo vai recebendo aquela quantidade em exagero que não dá nem a oportunidade para o cérebro notar os sinais químicos do sistema digestivo sobre a possível interrupção no ato de alimentar-me, dada a farta disponibilidade de energia ingerida nesse curto espaço de tempo.

Para piorar, soma-se à ansiedade (como se a comida fosse fugir do prato no instante seguinte), a gula, pensamento nefasto que se manifesta sempre que a minha mente não se antepõe ao mesmo, exibindo a notória marca de quem ainda não se livrou da forte influência do instinto na vida humana. O que isso tem de relação com nosso tema central? A clara distinção entre a necessidade real e a que nosso instinto quer impor, obviamente muito além do que seria a real. Podemos aplicar essa observação a qualquer aspecto de nossas vidas. Tomemos mais uma vez o mercado financeiro e nossa posição como investidor.

O que cada um de nós busca ao investir seus recursos financeiros? Já vi de tudo, desde o estressante comprar para vender no instante seguinte aos que ilusoriamente pensam que é só comprar qualquer coisa e esperar sentado. Vi também e aprendi a conhecer melhor as empresas, estar com as pessoas que administram a mesma e conhecer sua realidade, identificando as que merecem a nós como sócios. Penso que podemos resumir esse objetivo, o de como sócio, receber ao longo do tempo uma remuneração que além de proteger-nos da inflação possa também acrescentar um ganho real tal que resulte em um futuro financeiro no qual possamos colher os frutos do esforço de poupar que realizamos hoje. E qual seria esse rendimento ideal para alcançar tal objetivo? A princípio o de maior razão entre o retorno e o risco.

Não se pode pensar em aumentar os rendimentos sem participar da engrenagem que gera a riqueza em nosso país. Essa engrenagem é a economia real onde se agrega valor aos produtos básicos antes de oferecê-los à população, onde se transforma a capacidade intelectual em serviços prestados, onde os recursos naturais são explorados (quando feito adequadamente) e resultam em um país com muitas condições de seguir sua marcha de desenvolvimento e inclusão social. Ou depois dessa demonstração dos últimos anos alguém ainda acredita que inclusão social se faz com programas assistencialistas?

A ascensão de uma fatia enorme da população brasileira à categoria de consumidores se deve ao giro cada vez melhor dessa engrenagem mencionada, que ao mesmo tempo em que gera um grande número de empregos, lança os respectivos salários no mercado consumidor (e o ciclo se repete). Essa engrenagem se serve, dentre outras fontes, dos recursos de investidores que entendem ser um ótimo negócio ser sócio capitalista de uma boa empresa de capital aberto em Bolsa.

O conceito de ser sócio de uma boa e rentável empresa, ainda que a participação no seu capital social seja muito pequena, encerra muitos segredos que quando decifrados conceitualmente permitem movimentar-se nesse meio com muito mais inteligência e com melhores resultados.

Se alguém pretende acertar as ações que vão subir mais no futuro, lamento pela decepção que chegará, cedo ou tarde. Não precisamos tentar adivinhar e comprar as ações que vão subir mais, assim como sei que não preciso comer mais do que o necessário ainda que o nhoque esteja “dos deuses”. Sei que a tentação é por ter o máximo que pudermos, mas para ambos os casos, é melhor a escolha do equilíbrio, pois é o equilíbrio o que garante a boa saúde, tanto biológica como a financeira no caso da carteira de participações societárias.

Já falamos em postagens anteriores e temos ainda muito a falar sobre esses conceitos que envolvem “ser sócio de uma boa e rentável empresa”.

E sobre o brigadeiro? Um fato indiscutível é que o melhor brigadeiro do mundo é o de panela, com Leite Moça, a correta quantidade de Nescau (não adianta colocar “Toddy” ou algo similar) e uma pequena colher de manteiga. Mantenha o fogo baixo e mexa com a colher de pau durante todo o tempo. Quando ele tiver formado aquela consistência que “desgruda” do fundo, hora de desligar o fogo (não deixe passar desse ponto senão ele adquire aquele gosto de queimado). Nesse momento derrame o conteúdo em diversas xícaras ou potinhos e deixe a generosa porção na panela para comer com a colher. Ele esfria rápido. Agora que esfriou, esqueça o que eu disse no caso do nhoque. Cada um por si e quem puder garanta o seu!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Quem quer casar com Dona Baratinha...

... que tem fita no cabelo e ações na caixinha?

Particularmente e sem deixar ninguém chateado eu digo que nunca gostei dessa história/música que em minha infância era tocada nem sei onde, talvez fosse um daqueles disquinhos que tocavam na vitrolinha que eu tinha. Se você não sabe o que é uma vitrola ou uma radiola, você é novo demais e não se divertiu ouvindo essa história musical da Dona Baratinha e outros hits da época, como “Nuvem passageira” e outros. A barata sempre foi um bicho asqueroso, desses que não merece nem sequer uma historinha musical, muito menos um que falasse de uma barata que guardava suas economias em uma caixinha e que por isso seria uma excelente “esposa”. Sinceramente, não sei quem criou algo assim.

Mas eis que me liga essa semana uma querida amiga e manifesta a surpresa de descobrir após uns sete anos de convívio, que eu trabalho na área financeira e especificamente com ações. Disse-lhe que fazia isso há mais de quinze anos. Primeira reflexão que fiz ao desligar o telefone depois de nossa agradável conversa foi a de que não posso deixar nenhum amigo às escuras sobre o que faço profissionalmente, pois posso perder a chance de colaborar com alguém que precise de ajuda, assim como penso que consegui fazer com ela nessa conversa.

Ela estava passando por uma época muito tensa, pois nos últimos anos guardou um dinheiro aqui e ali, na verdade se esforçando como uma batalhadora de primeiro escalão para gerar tais reservas. Contou que havia feito um tremendo ajuste nas contas e hábitos domésticos para que fossem possíveis as sobras, ajuste feito com a colaboração da família que conscientemente fazia um esforço com vistas a um futuro mais tranqüilo, e finalmente que nos últimos anos havia comprado ações com uma boa parte dessa reserva.

A carteira dela, baseada nos principais papéis da Bolsa, os chamados “blue chips”, acabaram apresentando uma excelente valorização ao longo dos anos que a deixou extremamente feliz e surpresa pelas possibilidades de ganho com ações. Ela vislumbrava essa possibilidade de que suas reservas lhe permitiriam ir mudando sua vida conforme seus objetivos e não mais conforme a necessidade se apresentasse. Estava certa.

Obviamente que as tais “blue chips”, que têm esse nome derivado das fichas (chips) usadas nas apostas em cassinos e no pôquer onde as de cor azul eram as de maior valor, não se comportaram como tal quando o tsunami da crise mundial passou pela Bovespa, e isso a deixou com a sensação de que poderia estar errada em relação a investir em ações, e que talvez até devesse vender tudo antes que não tivesse mais nada (já conhecemos esse pensamento em outras postagens, não é?). Na verdade ela não pensou isso, mas foi aconselhada por outra pessoa, certamente alguém ainda mais assustado do que ela.

Felizmente ela encontrou, antes de falar comigo, outro amigo em comum que entende de finanças e a aconselhou a não vender nada nesses preços, então estava preocupada, porém resoluta em manter as ações em carteira.

A conversa desenvolveu-se inicialmente na mesma linha da que tive com a Dona Maricota (ver postagem do dia 2 de novembro), e depois ela contou que havia aprendido com os pais dela sobre essa maneira inteligente de ir guardando um pouco sempre para depois poder contar com uma reserva adequada para as necessidades que a vida apresenta ou para as escolhas que podemos fazer quando temos tais reservas.

Não disse a ela, mas é importante ressaltar aqui que nem mesmo a maior crise dos últimos cem anos foi capaz de destruir o ganho proporcionado para aqueles que souberam ser sócios de boas empresas nos últimos anos. Tomemos como exemplo Itaúsa quatro anos atrás, a ação da "holding" que controla o banco Itaú, que custava R$ 2,40 e hoje, mesmo apanhando como gente grande, custa R$ 9,00 (chegou a valer R$ 11,75 meses antes). No caso das ações de Itaúsa, mais de 3,5 vezes o valor aplicado.

Vamos ver a Vale do Rio Doce, ação conhecidíssima dos investidores. Na mesma época do primeiro exemplo, custava R$ 9,70 e agora, devastada pelo terremoto mundial custa R$ 25,90. Essa variação é de 2,70 vezes sobre o valor inicial. Se eu pegar mais uma das conhecidas, a Petrobrás, dá algo muito parecido, R$9,00 com R$ 23,80 hoje, ou seja, 2,60 vezes.
Outras ações, de empresas menos famosas tiveram performances ainda melhores nesse mesmo período, tendo algumas delas criado novos milionários pelo mundo.

Mais impressionante ainda seria pegar as cotações de épocas de crise mais forte, como em 2002 onde o mundo acreditou que o Brasil iria naufragar após a eleição do presidente atual. Dá até vergonha de falar, então deixo para o leitor a tarefa de checar as cotações daquele ano e compará-las com as atuais, ainda que estejamos no fundo de uma nova crise.

Não é fácil fazer com que nossa mente tenha uma visão inovadora, de horizontes mais amplos sobre como devemos encarar a oportunidade de comprar uma participação societária em empresas de grande porte, talvez porque a maneira como muitos se aproveitam dessa oportunidade seja inadequada para um plano de longo prazo onde podemos construir uma reserva que nos permita fazer novas escolhas para a vida. É claro que esse é um tema que merece muito mais atenção. Voltarei a ele em breve.

Fiquei feliz que minha amiga já conhece o caminho, embora possa aprender muito ainda sobre como realizar essa jornada. Parece que certa mesmo está a Dona Baratinha, e deixo aqui minha homenagem a quem criou aquela historinha, pois no fundo é até instrutiva.~

E você, como está se preparando para essa jornada?

sábado, 13 de dezembro de 2008

O bobo e a corte do rei

Como sempre fazemos, é costume observar os demais com o objetivo de aprender algo que nos permita melhorar ou como acontece também, apenas ter um pouco da diversão oferecida pelos demais.

Na última vez que fui esquiar, enquanto descia a montanha observei alguns esquiadores com um gorro ao estilo "bobo da corte", você sabe aquele chapéu colorido, com várias pontas, eventualmente com guizos ou outros ornamentos em cada uma delas. Imagino que fosse para divertir o resto dos esquiadores, pois não pensei em nenhuma outra explicação. Divertia-me ver aquelas figuras passarem com aquilo na cabeça.

Recordei dos tantos filmes e peças que representaram essa figura do “bufão”, misto de um alegre e cômico poeta com um debochado observador das peculiaridades das cortes e dos reis, figura até musical, que divertia a casta nobre e a própria alteza, falando verdades e bobagens que ninguém tinha coragem de dizer àqueles que teoricamente eram os mais inteligentes e capazes da região.

Resumindo, temos de um lado, o bobo, que era aquele que seduzia os que do outro lado, sendo supostamente mais capazes, eram mantidos em um estado de contínua embriaguez psicológica enquanto por muitas vezes o tal do bobo se aproveitava da proximidade com a família real para seu próprio benefício.

Apresento-lhes Bernard Madoff, se é que vocês todos já não leram sobre a recém-descoberta fraude por trás de uma grande firma de gestão de fundos de investimento de Nova Iorque da qual ele era o dono. Não vou descrever o que todos já sabem, apenas recordar que era uma firma que estava no mercado desde a década de sessenta, com quase cinqüenta bilhões de dólares sob suas asas, com um gama enorme de clientes, desde pessoas físicas de muita riqueza a outros fundos e instituições financeiras do mundo todo.

Talvez o mais interessante dessa triste epopéia seja o fato de sua fraude ser a imagem perfeita daqueles golpes estilo “pirâmide”, ou seja, quando os que vêm em maior número vão sustentando os de cima, em um ciclo que pode ser ampliado indefinidamente até que não haja mais quem colocar embaixo, deixando à mostra o enorme buraco do esquema. Tinha uma empresa americana usando um modelo desses, vendendo produtos para o lar que chegou a ser uma febre aqui no Brasil uns dez ou mais anos atrás. Pois é, ele rentabilizava os de cima com o dinheiro dos de baixo, ou algo bem parecido com isso.

Incrível pensar como uma empresa desse tamanho pode manter tanta gente séria sendo enganada por tanto tempo. Mas tem explicação. Os rendimentos altos para o padrão da indústria americana de fundos, repetidos ano após ano sem que o gestor desse nenhuma explicação real de como obtinha tais ganhos nem divulgasse a composição das carteiras dos fundos eram condições que embora esquisitas como fossem não conseguiam diminuir a embriaguez causada pelos bons ganhos financeiros. Justifica-se o não justificável com um retorno do tipo “cala a boca”.

Tem gosto pra tudo, inclusive para o tipo de investidor que não se importa em conhecer como pensa o gestor de um fundo e conhecer como ele tem feito para entregar os resultados passados. Importam-se apenas em olhar a cota mensal e compará-la com os demais fundos, muitas vezes pulando de um fundo para outro, perseguindo a “cota perfeita”, mas sempre com atraso. É o mesmo pensamento daquele que fica mudando de fila no pedágio ou nos caixas do supermercado, sempre com a sensação de que tem que ser o primeiro, o melhor em qualquer ocasião, não admitindo que sua fila ande menos que a do outro. Você riu porque se lembrou de alguma ocasião que fez o mesmo? Tudo bem, nós ainda estamos lutando contra essa influência lamentável de nosso instinto.

Espero que o investidor que ainda esteja vivendo essa dificuldade, o faça apenas em supermercados ou nos pedágios, e que para seus investimentos conheça profundamente a visão que norteia o gestor, conheça bem seus pensamentos, seus objetivos e especialmente conheça-o pessoalmente, que possa estar com ele algumas vezes ao ano, olhando em seu olho para confirmar que ele cuida de seus recursos como cuida dos próprios. O tal do Madoff foi preso pelo FBI na 6ª feira passada. O triste não é os mais de 20 anos de cadeia que ele vai pegar mas sim o desespero de muitos que embriagados pelos vários anos de misteriosos bons resultados, haviam aplicado todos os recursos pessoais com ele.

Não existe ganho fácil, nem rápido e nem devagar, isso todos aprendem cedo ou tarde.

Fica para cada um a reflexão de quantas vezes somos tentados ao fácil. Se uma coisa eu aprendi nesses mais de quinze anos de mercado financeiro foi lutar continuamente contra esse pensamento que nos faz ver o bobo e achar graça, nos faz rir de suas perigosas melodias que enquanto seduzem, nos deixam embriagados. E se em algum momento nos descuidamos, pergunto:

- Quem é o bobo da corte?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Deus era brasileiro. Ainda é?

Ainda nem esfriou a outra postagem sobre Deus ser ou não brasileiro (ver postagem de 27/outubro), já comecei a ouvir novos comentários nos meios de comunicação sobre nossa acelerada caminhada para juntarmo-nos ao time dos países condenados, já que a crise não só chegou à nossas terras como causou os primeiros estragos. Será que Deus não era mesmo brasileiro?

Apenas nas últimas três semanas, a quantidade de dados econômicos e entrevistas publicadas dão o correto tom do ambiente mental em que submergimos, o que não é para surpreender ninguém que acompanhe com atenção o que acontece na economia real. Mas volto a repetir, ficou muito forte no mundo mental o pensamento do pessimismo. O que temos para apresentar em contrário? Algumas observações daquelas que provam a regra do "eu só vejo o que quero, ou o que os pensamentos me mandam ver".

Ligaram-me alguns clientes e amigos nos últimos dez dias com o discurso que o mercado estava cada dia pior, que não aguentam mais ver o mercado cair, que parecia não ter fim o sofrimento, e etc. Vou ser sincero, eu tive a mesma sensação de que o mercado estava piorando nas últimas semanas e que vinha caindo mais ainda, até que fui aos gráficos e tabelas históricas para saber o quanto daquela sensação estava estampada nos preços. Conclusão? Fazia quase dois meses que a Bovespa oscilava bastante mas não saia do patamar dos 35 mil pontos (não que esse patamar queira dizer algo), ou seja, nos últimos dois meses não só os preços não mais se deterioraram como estavam ainda querendo recuperar algum terreno, o que algumas ações conseguiram fazer timidamente à custa de outras, é claro.

Foram nessas últimas semanas que vieram à tona alguns dos piores indicadores econômicos que o mundo viu na atualidade, alguns deles rivalizando com crises já centenárias. Foi nesse mesmo período que "caiu a ficha" para a maior parte dos brasileiros. Então o que aconteceu para a manutenção desse patamar e que ainda permitiu a recuperação desses últimos dias?

Simples. Não se esqueça do que você ouviu quando era criança, que a Bolsa sobe no boato e cai no fato. Ora, se isso é verdade para um mercado que opera entre outras coisas, expectativas, o oposto precisa ser verdadeiro, e assim sendo, é sensato afirmar que o movimento que segurou a Bovespa naquele patamar por quase dois meses, impedindo uma queda maior, é o resultado de uma mudança, ainda que contida, no foco do observador, que deixou de olhar para os próximos seis meses e passou a mirar o segundo semestre de 2009 e adiante.

Não se embriague com o perfume doce desse otimismo em relação ao futuro pós seis meses, ele é sensato e fruto de uma análise realista, mas o mercado ainda sofrerá a pressão vendedora de muitos outros indicadores que serão divulgados nos próximos meses, tanto os de economia como os de resultado das empresas. Ué, agora te confundi, né? É para ser otimista ou pessimista?

É para ser realista, é para manter o rumo traçado e o olho na bússola. Vamos ter ainda muitas trovoadas, vamos ter mais encrencas nas economias reais dos países desenvolvidos e algumas na nossa, mas uma coisa ninguém pode esquecer. O mundo nunca realizou uma ação coordenada que lembrasse em pequeno esse gigante esforço governamental que estamos vendo nos quatro cantos. Nunca se planejou ou se preparou uma injeção de dinheiro novo como o que está sendo introduzido a partir de agora (muitos dos pacotes anunciados demorarão meses para serem aplicados efetivamente).

Ninguém sabe ao certo as consequências que essa montanha de dinheiro, direto e indireto, terá quando a crise passar. Talvez gere uma crise oposta, trazendo a necessidade de outras medidas para lidar, por exemplo, com o endividamento público que aumentará em muitos países agora. Outros problemas serão apontados e enfrentados oportunamente.

E se não bastassem as boas perspectivas para o longo prazo, para pós-crise, de quando em quando somos brindados com uma injeção de segurança, de sensatez e honestidade para com o povo brasileiro.

Estou falando do COPOM, que mais uma vez resistiu à bravata dos mentecaptos que não se cansam de pedir a queda do juro, como se a alta taxa com a qual o governo remunera o dinheiro que toma emprestado do mercado fosse fruto da má intenção de alguém. Parabéns aos membros do COPOM, que com essas atuações corretas, de acordo com o mandato que o povo avalizou, tem permitido que o país continue a gozar da boa reputação financeira e creditícia que tem.

Quem ainda duvidava se Deus era mesmo brasileiro, não tenha mais dúvidas. Ele não só é brasileiro como tem assento e direito a voto no COPOM!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O efeito "paralaxe" (Parte II)

(a parte I dessa postagem encontra-se logo abaixo, nesta mesma página)

Voltamos à imagem da paralaxe medindo a distância das estrelas e aplicamos o modelo ao mercado financeiro, especificamente à precificação das ações de empresas com capital aberto em Bolsa de Valores.

Sobre o pano de fundo contra o qual o observador mede a posição das estrelas, eu pergunto: você tem olhado para o céu noturno em sua cidade? Em caso afirmativo, o que tem visto? Se você respondeu que não tem visto muita coisa porque a luminosidade e poluição são impeditivos, eu lamento por nós todos e o máximo que posso aconselhar é uma viagem no próximo fim-de-semana. Ainda assim, nenhum de nós pode afirmar que pelo fato de não estar visível aos nossos olhos, não significa que o céu não tem aquele montão de estrelas que costumam aparecer nos documentários televisivos.

Uma analogia para a nossa análise financeira é possível. Nosso pano de fundo são os outros 6,6 bilhões de seres que habitam a Terra, número difícil de imaginar mas ainda grande o suficiente para impressionar qualquer um que resolva fazer uma conta para quantificar o que ocorre todo dia. Imaginem que esse povo todo consome algo, seja energia, alimentos, roupas, eletrônicos, serviços, móveis, automóveis, lazer, livros, educação, serviços de saúde, serviços de telecomunicação, tele e rádio difusão, etc. Sei que muitos deles não tem acesso a todos os itens acima, mesmo porque, se tivessem nós estaríamos enfrentando literalmente uma guerra global por produtos e recursos naturais, do tipo das que já ocorrem hoje em menor escala. Pois é, não importa se a crise é grande ou pequena, qualquer que seja, sucumbirá cedo ou tarde ao poder de consumo dessa massa. Ou então voltamos à "barbárie" do mundo das cavernas e cada um cuide de caçar sua própria comida.

As estrelas da nossa imagem são as empresas e suas respectivas ações, precificadas diariamente na Bolsa de Valores. Lembre-se que o estudo pela paralaxe exige que o observador faça suas marcações em duas posições diferentes porém conhecidas. Diremos que tomaremos a primeira medida na posição de quem observa apenas o preço de negociação de cada uma das ações atualmente. O preço por si mesmo não diz nada, apenas reflete o equilíbrio, ou falta dele, na oferta e demanda pelo ativo financeiro. Se recordamos que o essa oferta e procura se dá em virtude da disponibilidade de dinheiro no sistema, concluímos que o preço negociado em Bolsa apenas reflete o preço para a liquidação daquele ativo e sucessivo recebimento dos recursos equivalentes.

Na posição em que tomaremos a outra medida de distância encontramos a compreensão sobre o quanto a empresa e o setor no qual ela se insere foram e serão afetados pela crise atual. Obviamente que essa tarefa não é fácil, mas contamos, além de com nosso próprio conhecimento e experiência, com a grande quantidade de modelos aplicados por grandes e pequenos bancos, que fazem dezenas de análises cada um para tentar prever como será o comportamento de cada empresa dada uma nova condição econômica. O trabalho de ler e filtrar cada um desses relatórios é imenso, mas no final do processo, que se repete continuamente, é possível, quando se avalia um prazo de cinco anos ou mais, mensurar com alguma segurança o que essa empresa vai ter de oportunidades e desafios, e o consequente resultado financeiro para seus acionistas.

Finalmente temos a resultante da diferença entre as duas medições realizadas, e chegamos ao ponto final da aplicação do modelo.

Para avaliar quais empresas queremos ser sócios para o longo prazo utilizamos a visão que é conhecida como value investing, ou seja, a busca por ações que estejam sendo negociadas à preços inferiores ao seu valor intrínseco. Em outras palavras, oportunidades que se apresentam na diferença entre o preço praticado para aquela ação e o preço que a mesma vale como fração do "todo" que ela representa. O problema sobre essa medida é estimar o real valor intrínseco, e para ser mais preciso, afirmo que não pode haver um valor intrínseco real que seja único ou uma verdade absoluta, pois esse valor é sempre o resultado da avaliação que cada um faz, tanto dos ativos e passivos atuais , como do futuro fluxo de caixa da empresa. Alguns investidores tendem a atribuir maior peso para os ativos e passivos atuais do que ao fluxo de caixa futuro, alguns fazem o oposto e ainda existem os que consideram ambos.

O certo é que muitas ações de boas empresas estão em preços de barganha e estão em um ótimo ponto de entrada , não preciso falar das mais conhecidas que estão nessa condição, e se fosse falar das menos conhecidas, mas não menos interessantes, precisaria de algumas páginas. Simples, não? Espero que a paralaxe aplicada ao mercado tenha gerado várias reflexões e que você tenha chegado a boas conclusões.

Obs.: Sem consultar a internet ou a pessoa do lado, responda à nova enquete sobre as estrelas que está lá em cima, no lado direito desta postagem.